Penso não haver o menor interesse em sofismar a realidade: é indiscutível que o ambiente que se respira na O. N. U. não é favorável a Portugal, para não dizer que nos á inteiramente desfavorável.

A verdade, porém, é que se trata de circunstância muito menos grave do que à primeira vista possa supor-se, embora não fosse prudente considerar despreocupadamente a situação.

A política portuguesa não tem de processar-se à luz das votações da O. N. U. nem tem de se movimentar com o fim de agradar a este ou àquele. A política portuguesa defende exclusivamente o interesse de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E claro que, fazendo o País naturalmente parte da comunidade de nações e não sendo possível nem desejável bastar-se a si próprio, afastar-se da convivência com os outros povos, furtar-se a apoios económicos e militares indispensáveis para poder assegurar a soberania política e a integridade territorial, o isolamento internacional, além de inviável, seria pura e simplesmente catastrófico. Daí não ter deixado de sentir um calafrio quando vozes responsáveis surgiram a defender a tese de "orgulhosamente sós".

Mas não se creia, por outro lado, que a circunstancia de nos encontrarmos praticamente insulados nas Nações Unidas seja sinónimo de ostracismo internacional. Se assim fosse, já há muito que teríamos soçobrado - e é bem palpável estarmos a caminhar na esteira da vitória.

A debilidade da nossa posição na O. N. U. não é mais do que uma resultante dos vícios iniciais da organização que o rodar do tempo só poderia, infelizmente, vir a acentuar.

Atentemos rapidamente.

Quando se diz que a África ascendeu à independência, não se caracteriza inteiramente a realidade, porque o que de facto aconteceu foi que a África Negra (e a África Muçulmana, no Norte) alcançou a independência política - ou uma certa forma de independência política para sermos mais exactos . . . Daqui se infere que as reivindicações dessa África relativamente à posição portuguesa jamais serão susceptíveis de acalmia enquanto a Guiné, Angola e Moçambique não se tornarem estados negros, em modelo decalcado dos demais. Enquanto a África não austral vislumbrar a presença de cidadãos de origem europeia detentores de qualquer parcela de poder político, não cessará a sua agressividade e a sua luta contara esses perturbadores do racismo negrófilo, sejam eles de que origem forem. Daqui se conclui facilmente que as votações dos países africanos nunca deixarão de ser "contra Portugal" enquanto houvermos por bem mão renunciar à missão que acreditamos seja nossa e na qual estamos de cisiva e definitivamente empenhados.

Vozes: - Muito bem!

Impossível, pois, contar com os votos asiáticos. Uma ou outra excepção pode ter o maior interesse e significado fora do contexto da O. N. U., mas dentro da organização - onde apenas contam os votos - torna-se irrelevante.

E a América? E a Europa?

A América -refiro-me neste momento a todo o continente - vota de uma forma geral contra nós ou abstém-se por mero complexo anticolonialista, na impossibilidade de discernir entre o colonialismo que efectivamente verbera e a tão peculiar maneira portuguesa de estar no Mundo, diametralmente diferente daquele. Exceptua-se, evidentemente, o Brasil, que vem, desde há dois ou três anos, apoiando corajosamente a posição de Portugal.

Não parece, assim, que seja possível vir a contar com uma significativa alteração de votos relativamente à maioria dos países americanos, se bem que uma maior flexibilidade da nossa política externa e determinado acelerar do processo de desenvolvimento das províncias ultramarinas portuguesas possa proporcionar algumas adesões ou expectativas benevolentes. Mas aqui é óbvio que "votar contra" não tem o mesmo significado que a posição dos países africanos: a maior parte do continente americano, como se sabe, mantém connosco ás mais cordiais relações. O caso específico dos Estados Unidos - pela importância decisiva de que se reveste - permitir-se-me-á que o deixe para o fim.

A velha e nobre Europa ocidental - a que pertencemos e de que é mister continuarmos a fazer parte integrante - nem sempre vota contra nós, mas quase sempre se recusa a votar a nosso favor.

Havendo descolonizado e tendo-se reduzido, politicamente, à estreiteza geográfica continental, sem significativos núcleos populacionais radicados nos. territórios que outrora dominou, o Ocidente europeu tem dificuldade em nos apoiar: não só não consegue descortinar a diferenciação nítida entre o colonialismo que praticou e a presença multicontinental dos portugueses, como considera de primacial importância não perder a influência junto dos antigos territórios coloniais, cuja neocolonização se apresenta, por vezes, com aspectos bastante sedutores. Votar a favor da política portuguesa seria afrontar a animosidade do chamado Terceiro Mundo. Mas o Ocidente europeu não chegará a ser-nos hostil se soubermos ser coerentes e se demonstrarmos efectiva vontade de realizar a tarefa imensa que nos aguarda.

Despiciendo referir a posição do bloco comunista, cuja agressividade é fruto convergente da nossa impermeabilidade política, da cobiça pêlos territórios que há séculos descobrimos, civilizámos e esternos a desenvolver e da demagógica solidariedade aos países do já referido Terceiro Mundo de que a Rússia carece essencialmente como destinatários do germe revolucionário marxista, como novos mercados a explorar e conquistar e como detentores da maioria dos votos nas Noções Unidas.

Besta analisar a posição dos Estados Unidos.

Com a cisão do mundo do pós-guerra em dois grandes blocos (a China comunista tente desesperadamente formar um terceiro, na maior parte à custa do imperialismo moscovita . . .), tornou-se inviável a uma potência não atómica e de débil expressão demográfica e económica como Portugal traçar a sua própria rota. Temos, a este respeito, operado prodígios que a história diplomática das últimas décadas há-de condignamente assinalar. Mas não podemos aventurar-nos por caminhos demasiadamente independentes, sob pena de soçobrarmos & míngua de capacidade de autodefesa.

Por vocação geográfica e histórica fazemos parte integrante do bloco ocidental, cuja chefia e responsabilidade defensiva pertence aos Estados Unidos da América. Isto significa que nem sequer nos é dada a escolha de leader,