Irei manter nesta sessão legislativa a mesma conduta, mas será óbvio afirmar a VV. Ex.ªs que calarão profundamente no meu coração os intervenções laudatórias.

Não deixarei, no entanto, de continuar a criticar, sem espírito contestativo, os Poderes Públicos, sempre que necessário, mas debaixo da firme convicção de que as faltas e insuficiências apontadas são, essencialmente, devidas ao intenso trabalho que o Governo está empenhado para a prossecução de um Estado Social bem alicerçado, que permita a todos os portugueses a sua realização como homens.

É, portanto, com prazer que hoje afirmo a VV. Ex.ª o meu agrado pela recente promulgação do Decreto-Lei n.º 420/70, que condiciona a produção, o tráfico e o uso de estupefacientes.

com prazer que louvo o Governo da Nação, na pessoa de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, pela promulgação de medidas tão oportunas e necessárias.

Grassa por todo o Mundo, mas com larga incidência nos países ocidentais, e, nestes, entre os mais evoluídos tecnològicamente, a degradação moral e física originada pela droga na juventude que, estupefacta pelo panorama que a cerca, herdado de gerações antecessoras, e sem forças morais suficientes que lhe permitam luta viril e saneadora da realidade que não compreende, procura na evasão, no sonho, na morte psíquica, um caminho efèmeramente mais fácil e sedutor.

Não valerá a pena apontar a VV. Ex.ªs as causas provocadoras do actual estado de coisas. Fácil é encontrar na literatura especializada dos foros psiquiátrico e sociológico teorias explicativas do fenómeno.

Mas julgo conveniente realçar a VV. Ex.ªs alguns factos e afirmações que só por si mostram a acuidade do problema e, portanto, o interesse do diploma citado.

Segundo o Presidente Nixon, em 1969 «mais de 8 milhões de americanos consumiam a marijuana e 180 000 deram-se n heroina. A terça parte dos estudantes fuma o haxixe e 16 por cento dos universitários encontram-se viciados pela droga.»

Em França o problema começa também a ter forte acuidade, pois só em Paris, afirma-se, existem. «50 000 toxicómanos, principalmente entre a juventude».

Sua Santidade Paulo VI, atento aos fenómenos mundiais que afectam a humanidade, lançou recentemente um apelo público para que seja intensificada a luta contra as drogas, que considera como «um dos maiores flagelos do nosso tempo».

Finalmente, em Portugal é o próprio Presidente da República, o mais alto magistrado da Nação, a quem apresento as minhas sinceras homenagens, que levanta a sua voz, altamente qualificada e venerada, chamando a atenção de toda a Nação, de todo o Ocidente, pana a insidiosa doença dos sociedades modernas - as toxicomanias.

Na sua mensagem do Natal de 1969, Sua, Excelência considera as drogas com que a humanidade está sendo fortemente envenenada como um excelente veículo de corrupção dos costumes e da integridade física.

O Sr. Delfino Ribeiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Eu venho acompanhando com a máxima atenção a oportuna exposição de V. Ex.ª, não só pelo elevado interesse do assunto, como também poise tratar de matéria de quê, por dever profissional ou de ofício e também por devoção, me procurei inteirar.

Sou consultor, e creio que o único consultor português, do Instituto for the Study of Traffication, organismo internacional, com sede em Nova Iorque, que se dedica ao estudo da toxicomania, e ainda co-autor do projecto do Decreto n.º 46 361, de 8 de Junho de 1965, regulador em Macau do comércio, uso e detenção de estupefacientes, tendo participado em duas reuniões internacionais sobre n primeira edição dos crimes resultantes do tráfego e com ele conexos. Durante nove anos e meio, ou mais precisamente até anteontem, visto que tomei posse do lugar de notário da comarca de Macau, estive na referida província à testa da Polícia Judiciária, em cuja competência exclusiva se inferem os crimes respeitantes ao tráfego de estupefacientes. E, por inerência de funções, exerci o cargo de juiz do Tribunal de Polícia, a quem compete julgar os casos de flagrante delito concernentes ao consumo, e de vogal nato do Centro de Combate à Toxicomania, organismo que, reunindo e coordenando os esforços dos departamentos públicos provinciais na luta contra a toxicomania, dirigi durante uns anos, período em que se criou na ilha de Coloane um aldeamento de reabilitação para toxicómanos, o primeiro no género em todo o Mundo.

A despeito de apenas haver tomado contacto com a panorâmica metropolitana através da leitura do intróito do Decreto-Lei n.º 420/70, julgo que toda esta experiência de vida me habilita, de certo modo. a fazer coro com V. Ex.ª, registando com prazer a entrada em vigor da medida legislativa ora em foco.

Conhecedor das misérias humanas e das múltiplas, profundas e complexas implicações de ordem social e moral inerentes ao consumo e ao tráfego de narcóticos, nome que felizmente em Macau deixou de assumir foros de gravidade, faço votos ardentes que esse tão grande mal, que parece querer alastrar por todo o Mundo, nunca chegue a bater aqui às portas, ou, pelo menos, com a intensidade e a incidência de que é capaz. Com efeito, raros são os casos em que. uma vez adquirido o vicio, se consegue uma cura completa, registando as estatísticas que a recaída entre os toxicómanos roça pela casa dos 98 por cento, nomeadamente quanto ao consumo de ópio e seus derivados - morfina e heroína -, cujo poder toxicomanístico chega a ser, salvo erro, 60 a 100 vezes superior ao ópio.

Deus livre, portanto, o nosso país desse flagelo. O Decreto-Lei n.º 420/70 é assim de louvar, pela consciência que demonstra possuir da gravidade do problema e pelo alcance preventivo e também repressivo do contexto.

Muito agradecido a V. Ex.ª