tornou-se mais simples liquidar entraves obsoletos e estruturas ultrapassadas, para ser possível caminhar a direito e depressa.

O que se passou em 1961 percutiu fundo no ânimo de todos e seria extraordinário que tal não acontecesse; mas a lembrança do período tão funesto não impede que hoje se trabalhe em vastas áreas em boa harmonia e pleno rendimento. Esta circunstância constitui para mim a melhor prova da inegável capacidade da nossa gente para criar o clima humano favorável à aglutinação de etnias diversas.

Aliás, não foi em vão que decorreram séculos de convívio sob a mesma soberania. Nos homens e na paisagem as marcas da nossa presença são por tal forma impressivas que não se deve recear qualquer brusca mudança de rumo se soubermos continuar a corresponder às necessidades do momento histórico que a província vive.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Regressei de Angola enamorado da terra e da sua gente. Encontrei lá exemplos de dedicação a uma causa que nunca mais esquecerei. Mas senti também, com pesar, que muitos travões se opunham deliberadamente à mobilização geral dos recursos e à promoção global de todo o povo angolano. O espírito de doação e pioneirismo de tantos funcionários administrativos e missionários deixou de ser suficiente para garantir o normal desenvolvimento do território.

Angola é demasiado grande para poder ser entendida e encarada em termos de uma simples dependência da metrópole. Para a governar é necessária uma visão larga, um conhecimento profundo da problemática das áreas tropicais e a capacidade de arcar com as responsabilidades inerentes. Marcelo Caetano teve a coragem de encarar de frente o problema ao apresentar a proposta de revisão da Constituição. Estou certo de que esta tomada de posição foi recebida com júbilo por todos os que servem devotadamente a província. Mas das palavras terá de se passar aos actos. E será por estes que se poderá aferir das intenções.

Se as palavras puderem ter o significado que delas se infere e se os propósitos forem enquadrados na dialéctica realista dos actos subsequentes que estão no pensamento do Prof. Marcelo Caetano, Angola começará a poder despertar e não será difícil imaginar o que para a Nação representará o despertar deste gigante adormecido, se for honestamente aproveitado todo o potencial das suas incomensuráveis potencialidades. E oxalá não faltem os homens necessários a esta transcendente gesta.

Oxalá, na realidade, não faltem os homens para que o tom, meio pessimista, meio incrédulo, usado pelo articulista se não venha a justificar no futuro. Não tenho dúvida de que da autonomia a outorgar virá a resultar uma maior aproximação com a metrópole; não tanto por necessidades de defesa, mas de fomento económico.

Angola necessita de quadros como de pão para a boca, e penso que seria obrigação de muitos de nós colaborarmos voluntária e desinteressadamente na tarefa estimulante de ajudar a província a recuperar os seus atrasos, para se transformar na grande potência económica que não tardará a ser.

Às autoridades da província e a todos os colegas que a representam nesta Câmara manifesto o propósito de retribuir o muito que de todos recebi, dedicando-lhes um pouco do meu tempo, entusiasmo e experiência no cumprimento de um serviço cívico cuja aceitação muito me honraria.

A grande batalha que Angola hoje trava não é tanto dirigida contra a subversão como contra a sua gente de cor.

Nem sempre se atribuiu a este potencial humano a importância que lhe é devida como elemento indispensável ao desenvolvimento da província. É vulgar ouvir-se dizer que os indígenas são avessos ao trabalho, naturalmente dados ao furto e ao alcoolismo e incapazes de assumir responsabilidades.

Seja-me permitido manifestar uma opinião bem diversa.

A integração numa sociedade de consumo por parte de uma população tão vasta e diversificada não se poderia nunca fazer à base do comerciante do mato. Requer uma acção de captação bem orientada e imbuída de espírito de justiça. O jovem preto é ávido de conhecimentos; adora, como nós, comer e vestir bem; mais do que nós, tem o sentido da religião e da justiça e uma consciência mais aguda do que é o bem e o mal. Responde como ninguém a uma prova de confiança que se lhe dê: testemunham-no os bravos que dão pelo nome de «flechas». O que o preto não tem, nem pode ter, é a obsessão do lucro; uma noção idêntica à nossa do que é a propriedade fundiária, e o mesmo espírito de competição.

Não é em poucos anos que se modificam estruturas de milénios; o indígena foi criado para a auto-suficiência na comunidade tribal, mas adere aos nossos esquemas económicos como o montanhês do continente o está também fazendo. Para isso, precisa ser instruído e sentir-se honrado nas suas relações com os detentores do poder económico. Para comprar precisa ganhar e para ganhar requer, como qualquer outro, um trabalho que o estimule.

O contacto com o branco tem constituído a grande escola e quase a única via apontada ao indígena para ascender à civilização; e quem não se sentir culpado de alguns desvios verificados nessa ascensão que atire a primeira pedra. O trabalho dos missionários e de alguns leaders religiosos locais tem provado, entre outras coisas, que o indígena não é um alcoólico incorrigível. Bem pelo contrário, é muitas vezes a miséria e a frustração que o levam a cair no vício. Mas não se passará o mesmo connosco, brancos e civilizados?

E em que sentido conduzimos nós, comerciantes por excelência, a produção de bens de consumo orientada para essa numerosa clientela? Difundindo a produção de álcool, pulverizando as chamadas fábricas de sumos fermentados?