existia, faltava só a coragem de o traduzir em lei e fazer a instituição». Coragem, sim, pois todos os apelos e reclamações para a criação de uma Universidade em Angola encontravam oposição ao mais alto nível e dele terão feito incidir olhares de desagrado sobre os seus autores.

Tal como no mundo físico basta por vezes um pequeno toque para que moléculas dispersas se agreguem ordenadamente e se forme um cristal, chegou a determinação lúcida de um homem, o governador-geral Venâncio Deslandes, para que tivesse realidade o que de há muito era pedido, considerado possível, e tido como indispensável ao desenvolvimento e ao reconhecimento da própria dignidade da província. O Decreto-Lei n.º 44 530, de 21 de Agosto de 19S2, que criou os Estudos Gerais Universitários de Angola, mais não foi do que a certidão de nascimento de quem, após longa - demasiado longa! - gestação, por voz própria diz quem é e para que vem.

Demonstrada a qualidade do ensino ministrado, criados e postos resso da Universidade portuguesa; por ligações da mais estreita amizade com alguns dos seus docentes, observador atento - embora distante no espaço - da evolução do ensino superior em Angola; por consciência cívica, profundamente interessado na promoção integral das gentes do ultramar, sem discriminações de qualquer ordem; por imperativo do mandato de Deputado, sensível aos apelos mais decisivos para o desenvolvimento da Nação: compreende-se o alvoroço que me animava à partida e o desejo de aproveitar a curta permanência em Angola para me inserir, no máximo de profundidade possível, na vida da sua Universidade, modo único de verdadeiramente se conhecer uma instituição. Embora não constituísse para mim surpresa, foi-me grato verificar que isso mesmo de mim esperavam o Sr. Governador-Geral, o Sr. Reitor e todas as autoridades académicas com quem contactei. Fica, pois, desde já expresso que se tratou de jornada de trabalho, totalmente despojada de actos de formal e estéril protocolo, jornada que, da parte de hóspede e de anfitriões, teve o timbre da exigência, da franqueza e da objectividade.

4. A Universidade de Luanda em 1970: O que é? Como é? Que diz e que não diz de si mesma? Que tem e que lhe falta? Que pretende? Que realiza? Que espera? Procurarei responder sumariamente a estas questões essenciais, arrumando os dados e as convicções nas alíneas seguintes: Os homens;

b) As ideias;

d) As dificuldades;

e) As aspirações e projectos. Os homens: qualquer instituição é o que forem os homens que a integram. Verdade de evidência cristalina e, contudo, tantas vezes ignorada na prática. O vinho morto não se revitaliza só por ser colocado em pipas novas... Se estruturas erradas podem deformar mentalidades sãs, certo é que mentalidades viciadas pelo egoísmo inutilizam a eficácia de estruturas correctas.

Essencialmente, uma Universidade é o que forem os seus docentes, particularmente os que ocupam funções directivas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta convicção não se apoia em espírito de dirigismo, mas no conceito de autoridade como serviço dos outros e ainda nos dados gritantes do real. No chefe de departamento, no director de curso, no reitor, o que acima de tudo importa é a dedicação apaixonada: é ela o motor que desenvolve continuamente as qualidades próprias indispensáveis de competência e zelo, é ela que dinamiza e forma colaboradores e discípulos, é dela que brota o inconformismo radical com o erro, a luz que descobre respostas adequadas às sempre renovadas solicitações da vida e a energia hercúlea necessária à sua efectivação. O docente universitário autêntico não produz apenas na medida do que lhe pagam, isto é, não se vende.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E se exige remuneração justa é como meio indispensável ao desempenho integral da sua missão de libertador do homem pela descoberta das leis do mundo e pela ajuda aos discípulos, para que cada um encontre e realize a sua originalidade ao serviço da edificação de uma sociedade essencialmente justa, radicalmente fraterna, pujantemente criadora.

Encontrei homens destes na Universidade de Luanda: totalmente dados à sua Universidade, conscientes de que estavam sendo obreiros da árdua, penosa, sacrificada - e por vezes incompreendida -, mas entusiasmante e dignificante, construção de uma Universidade em terra nova.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tarefa árdua, penosa e sacrificada, que de muito excede a já não pequena de estruturar, vivificar e desenvolver um serviço, pois se alarga às dimensões da própria Universidade, considerada organismo uno e indivisível, por cuja edificação todos os que a integram são responsáveis e, portanto, chamados, por direito próprio, a participar. Mas tarefa entusiasmante para o vocacionado e dignificante para o cidadão!

Estes homens são o mais precioso aval a garantir o futuro da Universidade angolana, desde que lhes não sejam recusados a confiança e os meios, sem o que não bastam força e engenho humanos.

b) As ideias: a realização é ideia feita, energia criadora de ser. Uma Universidade é criação de uma ideia de universidade: a Universidade de Luanda não pode ser compreendida no seu ser actual e no seu ser prospectivo se não for apreendida a ideia de que jorra e cuja textura apresenta os seguintes pontos nodais: a Universidade é um organismo unitário cujos órgãos se inter-relacionam no cumprimento integrado das funções da instituição; a preparação profissional e científica e a investigação são funções naturais e relacionadas da Universidade, competindo-lhe ainda contribuir para a formação cívica, cultural e física dos seus membros; a Universidade deve