O Sr. Cancella de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Cancella de Abreu: - Poderia V. Ex.ª informar-me, nesta outra hipótese, quantos dias é que o cais da Praia deixaria de poder ser utilizável?

O Orador: - Realmente a pergunta tem oportunidade e sobretudo permite-me esclarecer a Câmara. Embora não tenha tomado nota directamente na minha intervenção, posso dizer a V. Ex.ª que o cais (-9,00 m), dá uma utilização de 350 dias por ano. Quer dizer que, em relação ao cais referido anteriormente, que não seria praticável durante 155 dias, teríamos um cais que só durante cerca, de 15 dias não poderia ser utilizado em cada ano.

O Sr. Cancella de Abreu: - Muito obrigado. A informação de V. Ex.ª é bastante elucidativa.

O Orador: - Muito obrigado eu, por me ter proporcionado este esclarecimento.

Ora, onde se despendem 57 000 contos, 8000 a mais pouco é, sendo certo que não podemos esquecer, além do mais, que as tentativas de turismo de passagem em Santiago falharam escandalosamente em face da forma inusitada e imprópria como os passageiros conseguem alcançar terra pelo porto da Praia. E o turismo é uma indústria em que de forma alguma podemos deixar de insistir.

E não se diga que o porto da Praia não dá, que o seu movimento não compensa o dispêndio, ou que não o justifica.

Os números são fastidiosos, mas já que eles «falam como gente», permita-se-me uma rápida citação a demonstrar a evolução que se vem operando e a necessidade de nos prepararmos para o futuro.

O mapa dos rendimentos arrecadados na circunscrição aduaneira da Praia passou, em curva sempre ascendente, de 8 601 578$ em 1964 para 21 262 949$ em 1969 - de 338 navios entrados em 1967 passou-se para 362 em 1969 -, e note-se que os barcos fogem de ir à Praia. A carga descarregada subiu de 16 242 t em 1967 para 44 858 t em 1969. Carregaram-se 9485 t e 12 855 t, respectivamente, nesses dois anos - isto sem indústrias palpáveis e com uma agricultura praticamente limitada à exportação da banana. O movimento de passageiros revela também entre os dois anos considerados um aumento de 2874 para 4970 desembarcados e 3585 para 8344 embarcados. Foram 3326 e 5755 os passageiros em trânsito, também em 1947 e 1949. Estes não desembarcaram por falta de meios próprios e consequente receio. Mas com um cais não deixarão de o fazer, dando vida à ilha, com incidência no seu comércio, nos transportes, etc.

Os números demonstram que o movimento no porto é nitidamente ascendente, não obstante as precaríssimas condições em que esse movimento se processa, o que deixa concluir que seria muito maior se tais Condições fossem eficientes.

Mesmo que estagnássemos e mantivéssemos apenas as carreiras dos actuais garantir a segurança e a celeridade das operações.

Ora, vinte anos é o tempo normalmente Calculado para ressarcir o capital empregado num simples prédio urbano...

Eu bem sei que não estão feitas as estimativas das obras complementares, mas um cais não pode ser construído para menos de cem anos.

Deixemo-nos, pois, de receios infundados. Temos o exemplo do cais de S. Vicente, que, inaugurado há menos de dez anos, já não chega para as necessidades.

Não insistamos em obras que custam, afinal, e mesmo assim, rios de dinheiro e não dão o rendimento compensador por que continuamos a viver o dia de hoje, sem nos convencermos de que temos de projectar para uma progressiva evolução que necessariamente se há-de operar.

De outra maneira, continuaremos obrigando o Sr. Engenheiro Araújo Correia a lamentar-se - com razão - de que o País emprega vultosos capitais na província e que não se vêem resultados.

Sr. Presidente: Sou um leigo na matéria exposta. Nada sei de engenharia e muito menos de portos, que me dizem ser uma especialidade muito delicada. Colhi elementos para um raciocínio preventivo, e porque me pareceu oportuno aqui o deixo ficar com estas palavras do Prof. Marcelo Caetano, que reputo pertinentes e reproduzo com a devida vénia:

Toda a solução de um problema fundamental que não ressalvara o máximo de possibilidades de acção futura e de aproveitamento futuro de recursos é errado.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Neto Miranda: - Sr. Presidente: Meditar sobre factos, do que muitas vezes andamos arredados, creio ser a melhor forma de valorizar a nossa inteligência, aperfeiçoar a nossa crítica, praticar justiça.

Assim, em breves minutos, mas que julgo indispensáveis por o lugar e o momento serem adequados, irei percorrer caminhos velhos com ideias renovadas, tendo em vista pensamentos políticos que ultimamente tiveram percussão em parcelas nacionais mais distantes e que integram a Nação: o ultramar.

E também o faço porque, dentro do esquema político que preside à res publica, não pode ser indiferente a uma parte, ainda que directamente lhe não respeite, o que constitui o fio condutor da unidade daquelas.

Os factos mais salientes que ultimamente ocorreram e que interessa acentuar correspondem a atitudes deliberadamente assumidas, como actos de governo, que assinalam a prevalência desta Câmara na definição político-legislativa do todo nacional. Por outras palavras, parece que o Governo sentiu que teria sido chegado o momento de reconduzir a Assembleia Nacional à sua verdadeira di-