E, no seguimento dos mesmos princípios, a Lei Orgânica do Ultramar vigente, na sua base III, preceitua que:

São garantidas às províncias ultramarinas a descentralização administrativa e a autonomia financeira compatíveis com a Constituição, seu estado de desenvolvimento e recursos próprios.

E na base L se dispõe que:

As províncias ultramarinas são pessoas colectivas de direito público, com a faculdade de adquirir, contratar e estar em juízo.

E o artigo 61.º do Estatuto Político-Administrativo da Província de Moçambique, aprovado pelo Decreto n.º 45 375, de 22 de Novembro de 1963, assegura que:

A província tem activo e passivo próprios, competindo-lhe a disposição dos seus bens e receitas e a responsabilidade das suas despesas e dívidas e dos seus actos e contratos.

Assim, o conceito de autonomia não é novo dentro da tradição ultramarina portuguesa.

Mas podemos recuar ao século passado e encontramos os mesmos princípios.

O movimento contra uma prática de assimilação uniformizadora e de centralização administrativa exagerada partiu dos homens que fizeram a campanha de Moçambique, sendo seu iniciador António Enes, e de que foram paladinos Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro e Frei de Andrade.

São de Mouzinho de Albuquerque as seguintes palavras:

Evidentemente, quanto mais centralizada for a administração ultramarina em Lisboa, quanto menos atribuições se derem aos governos locais, mais penoso e pior desempenhado será o serviço que compete à Secretaria de Estado do Ultramar, e mais empregados, unicamente ocupados da redacção, expedição e registo da correspondência, serão precisos, não só nesta Secretaria, mas nas dos governos coloniais, classe esta de funcionários indispensável por certo, mas que se deve procurar reduzir ao mínimo, por ser de facto completamente improdutiva como factor de riqueza nacional.

E o que se diz do Governo Central e das colónias pode respectivamente dizer-se dos governos das províncias e dos governos dos distritos que lhes estão subordinados.

E explica Mouzinho de Albuquerque como procedeu para dar cumprimento à tendência descentralizadora, seguindo o princípio básico de

... dar atribuições aos meus subordinados e exigir-lhes responsabilidade efectiva,

ou ainda,

... dar-lhes a máxima liberdade de acção tornando-lhes quanto possível efectiva a responsabilidade.

E, para evitar a prática de abusos e desvios, sem, todavia, emperrar as iniciativas, adoptou o sistema de fiscalizar e inspeccionar, que, refere, «nunca se deve confundir com espionar».

E a política de descentralização administrativa, com autonomia financeira, esteve sempre presente posteriormente, quer na fase da I República, quer anda no Decreto com força de lei n.º 18 570, de 18 de Junho de 1930, cujos princípios informadores o ilustre Ministro do Ultramar, Sr. Prof. Silva Cunha, condensa lapidarmente e considera tradição nacional nesta matéria, a p. 139 do vol. II da obra Questões Ultramarinas e Internacionais: Unidade política da metrópole e do ultramar;

b) Autonomia administrativa e financeira dos territórios do ultramar;

c) Solidariedade económica da metrópole e do ultramar;

d) Assimilação cultural das populações nativas.

Parece-me que dentro deste contexto de princípios, que são tradição nossa, se deverá entender a autonomia preconizada para as nossas províncias de além-mar.

Mas haverá razões que inculquem deva prosseguir-se numa .política de descentralização administrativa?

São diversas algumas das condições existentes no momento que atravessamos das que se verificavam no final do século passado, mas a maioria delas mantém-se, e outras novas, que o evoluir da situação económico-social fez surgir, indicam firmemente a necessidade da acentuação da descentralização administrativa, quer ao nível dos governos principais, quer dos governos distritais.

Basta referir-se a extensão territorial de cada um dos distritos das províncias de Angola e Moçambique, que no seu maior número são, cada um deles, de área superior à da metrópole, para se ajuizar da necessidade de conceder aos órgãos de administração distrital mais largos poderes de acção, se quisermos progredir com maior rapidez e eficácia.

Por outro lado, o desenvolvimento económico-social de cada distrito, as suas potencialidades, os problemas que cada um deles apresenta e carecem de prioridade de solução, dão a cada um deles características específicas, que não se compadecem com soluções uniformizadoras ao nível provincial, exigindo antes soluções próprias ao nível distrital.

Se é certo que os meios de comunicação são hoje cada vez mais rápidos, não se pode esquecer que, dentro da província, principalmente ao nível dos núcleos mais pequenos e isolados, eles são ainda deficientes e morosos, sendo razão emperradora do desenvolvimento natural das localidades e regiões do interior uma centralização exagerada de poderes de decisão ao nível provincial.

Porque há a natural tendência para ajuizar os problemas das diversas regiões sob a óptica de perspectiva que resulta do próprio local onde as autoridades a quem cumpre decidir se encontram, é difícil que essas mesmas autoridades se aperceb am das particularidades locais, e que, por vezes, têm de conduzir a apreciações e decisões diferentes daquelas que estão propensas a dar-lhes.

Daí que se torne necessário dotar a organização administrativa ao nível distrital das províncias ultramarinas de mais largas possibilidades de decisão e execução, ampliando largamente os poderes dos respectivos governadores de distrito, e também dando nova estruturação às juntas distritais, ampliando-se-lhes a competência deliberativa e consultiva e possibilitando-se-lhes os meios financeiros de poderem exercer acção eficaz, e não apenas simbólica e de interesse prático bastante reduzido.

Porque é diverso o estádio de desenvolvimento de cada distrito, o critério de serem fixadas dotações que são muito uniformes e constantes ao longo dos anos para todos eles dificulta o seu normal e natural desenvolvimento, sendo desejável que para os orçamentos distritais sejam reservadas percentagens das receitas estaduais cobradas nas suas áreas, de forma que o ritmo de expansão a imprimir pela Administração possa acompanhar