Verão alargado, cie entre os matos ressequidos para lamber a copa dos arvorados e combustar os troncos preciosos que haveriam de transformar-se em madeira, em aglomerados de partículas, em paste de papel.

O grito ecoou de quebrada em quebrada, dos cimos dos montes às baixas perdidas nos talvegues dos rios, anunciando: fogo. Foi um mar de fogo a impressionar as gentes e a assustar a caça bravia, a iluminar as trevas, da noite fazendo dia; ou, com seu fumo enegrecido, toldando os ares serenos desde as madrugadas, a forma que o fogo encontrou de ofuscar o Sol, fazendo noite.

O problema dos incêndios florestais tem adquirido crescente importância no nosso país -apesar da reduzida área ainda dada à floresta em Portugal -, assumido progressiva gravidade, originado avultados danos e chegado, inclusive, a tirar preciosas vidas de militares e civis que se dão à luta contra as chamas em defesa de populações, de haveres domésticos, de patrimónios silvícolas, de paisagens naturais.

O incêndio da serra da Sintra e todos os demais que coda ano surgem por esse Portugal além (*) devem estar presentes no pensamento de todos nós. Assim o exigem o respeito pela memória das vidas perdidas, a consideração dos inestimáveis bens de ordem material e imaterial desaparecidos ou adulterados.

«Chamava-se a Encosta dos Capuchos. Hoje, quatro anos decorridos sobre o pavoroso incêndio da serra de Sintra, chamam-lhe Encosta da Queimada. Foi ali, num cabeço batido pelo vento, enquadrado de neblinas, que ontem -escrevia o jornalista- foi prestada mais uma homenagem aos soldados e bombeiros que, em 1966, pereceram no combate às chamas», na serra de Sintra.

Que o seu sacrifício não seja em vão. Não podemos dar-nos ao luxo de continuar a assistir, pouco mais que passivamente, ao desencadear de tragédias, ao combustar de uma riqueza nacional: o seu património silvícola, tornado, inúmeras vezes, cinzas fumegantes em terras calcinadas ...

Há que transformar tal património, da forma mais completa possível, em apreciáveis fontes de riqueza e de trabalho nacionais, em preciosas divisas estrangeiras. Há que prevenir, há que detectar, há que agir eficazmente contra os fogos nas florestas.

Está em causa não apenas a protecção da Natureza, mas a riqueza nacional.

Assim havíamos escrito ... O tempo, com este Verão quente que passou, se encarregou de reforçar razões ao que havíamos redigido e agora, bastante alterado, se apresenta.

Necessariamente alterado porque, entretanto, tivemos o grato prazer de ver publicado o Decreto-Lei n.º 488/70, de 14 de Outubro, que pela primeira vez adopta legislativamente em Portugal «medidas de prevenção, detecção e extinção dos incêndios florestais».

Saudamos tal decreto com a alegria de constituir a primeira peça legal que contempla a incidência de incêndios florestais na sociedade rural e vida económico-agrária portuguesas. E alegra-nos tanto mais quanto corresponde, em sua significado, as que resultam indirectamente de uma crescente movimentação de gentes no País.

Efectivamente, ao mesmo tempo que o repovoamento silvícola tem vindo a aumentar de modo apreciável a superfície consagrada ú floresta em Portugal, a elevação do nível de vida e o aumento do número e utilização dos meios de transporte nesta «civilização de tempos livres» têm determinado uma afluência crescente de visitantes e excursionistas aos maciços florestais no período primaveril-estival, em busca de ar puro e de ambiente repousado.

Essa mossa, em grande porte citadina ou urbana, que em certos casos perdeu o seu contacto normal com a natureza e embotou sensibilidade, desconhece por vezes os cuidados e as precauções que deve tomar para evitar o risco de incêndios, agravado para mais por dilatados períodos de seca e elevadas temperaturas estáveis tão próprias de climas com influência mediterrânica e continental.

Justificam-se assim todas as campanhas de prevenção que possam vir a ser desenvolvidas junto de automobilistas, turistas, campistas, caçadores, pescadores ou simples visitantes das matas no sentido de os acautelarem a não lançarem fósforos e cigarros acesos para as estradas e caminhos, não fazerem fogueiras ou lumes nas florestas (*), não deixarem papéis ou materiais facilmente comburentes ou embalagens de plástico e 'vidros que possam funcionar de lentes e dar assim origem a fogos florestais. O direito de todos a fruição da Natureza pode impor limitações às liberdades individuais.

Ao pessoal de conservação de estradas, particularmente aos cantoneiros, poderá e deverá exigir-se-lhes que mantenham as valetas, as bermas, os taludes das estradas limpos de ervas e matos no Verão, assim como aos proprietários confinantes das vias de comunicação se lhes poderá impor a obrigatoriedade da limpeza das estremas dos prédios confinantes.

Mas não são apenas aquelas evidentemente as causas dos incêndios florestais, muitas outras se poderão referir, desde «causas naturais»: faíscas, combustão espontânea de matos, ervas secas, lixos, estrumeiras, etc., a «fortuitas» ou «acidentais», como a queda de fios de transporte de energia eléctrica, a explosão intempestiva ou mal acautelada de tiros de pedreira na abertura de estradas ou desmonte de pedras, o rebentamento de granadas esquecidas em exercícios, que, pelas suas consequências, bem podem apelidar-se de «fogos reais», o alastramento da queima de restolhos, silvados, matos, moitas, etc.

(*) A lista dos acidentes pessoais por via das chamas nos florestas há que acrescentar, no ano findo, unais oito mortos, pelo menos, e numerosos feridos.

(*) E, na realidade, por que não interditar mesmo o uso de lumes ou fogos nas florestas, ou, inclusive, o próprio fumar, pelo menos nos locais e durante os períodos de maior risco de incêndio, como prevê a alínea c) do artigo 4.º do decreto-lei publicado?