Graças a Deus, não são muitos os surdos integrais detectados pelo Instituto Nacional de Estatística. Com efeito, o recenseamento de 1960 considerou a existência de perto de 8000 indivíduos surdos-mudos, ou, melhor dizendo, surdos integrais.

Srs. Deputados: se o surdo integral é pouco frequente em Portugal, outro tanto não sucede com os indivíduos possuidores de deficiências auditivas. Esses, maus senhores, são numerosíssimos, e todas nós tendemos, com a idade, a fazer-lhes companhia.

Do exposto, torna-se evidente que a dobragem, além de impedir o acesso a cultura e a distracção dos surdos integrais, que tanto necessitam de ambas as coisas, impedirá também aos diminuídos auditivos a completa e boa percepção do enredo e do diálogo dos filmes dobrados.

Resta-me, Srs. Deputados, dar a conhecer à Assembleia os extractos mais significativos de uma carta aberta dirigida a todas VV. Ex.ªs e que me foi entregue pela direcção da Associação Portuguesa de Surdos: Ex.ªs diz-se na referida carta - vão julgar não só uma lei, mas um problema humano. Naturalmente com uma penada, visto que a dobragem dos filmes pouco ou nada afecta VV. Ex.ªs ...

Bem sabemos que existem interesses a considerar. Mas o negócio deste ou daquele estará acima de qualquer problema humano? Nós, os surdos, confiamos em VV. Ex.ªs, e sabemos que alguns de vós têm na família deficientes auditivos. Esperamos que VV. Ex.ªs não votem a lei só com a palavra ou só com a pena, mas também, e acima de todos os interesses materiais, com o coração.

Apelamos, pois, para VV. Ex.ªs, não pugnando por uma proibição pura e simples, mas, pelo menos, que a dobragem seja reduzida a limites mínimos que contentem os deficientes auditivos e os analfabetos, estes com a vantagem de sempre terem quem lhes leia as legendas ...

O Sr. Eleutério de Aguiar: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Tem a bondade.

O Sr. Eleutério de Aguiar: - Muito obrigado. Pelo interesse de que, efectivamente, se revestem as considerações que V. Ex.ª vem produzindo, e também pelas circunstancias da minha actividade profissional, estou a ouvi-lo com redobrada atenção. Felicitando V. Ex.ª pela oportunidade do assunto que trouxe à consideração desta Câmara, peço licença para juntar também o meu apelo, no sentido de que, ao regulamentar a lei do cinema nacional, o Governo tome na devida conta a preocupação que V. Ex.ª tão justamente vem evidenciando. Para que esta Câmara possa mais facilmente aperceber-se da acuidade do problema, direi, e invocando ainda a minha experiência na matéria, que é muito superior aos 8000 indicados pelo censo de 1960 o total de indivíduos portugueses surdos. Por outro lado, cifra-se, talvez, em largas dezenas de milhares, possivelmente em centenas de milhares o número de indivíduos deficientes de audição, os quais ficariam naturalmente privados dessa fonte de cultura permanente que é o cinema, se não se tomassem adequadas medidas legislativas quanto a manutenção de legendas nos filmes, certamente, e como é óbvio, numa percentagem a determinar.

Sei que V. Ex.ª se viu frustado nas diligências que efectuou, com vista a conhecer o total, mesmo que aproximado, dos indivíduos deficientes de audição. Tal conhecimento será impossível enquanto não existir, entre nós, uma verdadeira política de saúde nesse sector, desde a criação de centros de otorrinolaringologia disseminados por todo o País a uma campanha de rasteio e despistagem, com vista à utilização de próteses auditivas, concedendo-se as necessárias facilidades materiais para aquisição das mesmas aos economicamente débeis.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Sr. Eleutério de Aguiar: - Como V. Ex.ª acentuou, o cinema constitui, sem dúvida, uma importante fonte de informação para os surdos e deficientes de audição, e importa, Srs. Deputados, que não deixe de sê-lo, tanto mais que o Estado ainda não foi capaz de equipar o País com os serviços de educação necessários, nem me parece que o seja, pelo menos nestes tempos mais próximos, não obstante o esforço que se vem despendendo nesse sentido.

Se V. Ex.ª me permitisse, eu gostaria de fazer ainda um reparo nos termos em que nos vem dirigida a carta da Associação Portuguesa de Surdos. Pois é tempo de essa instituição, aliás já com uma obra muito meritória a seu favor, pôr-se à margem de sentimentalismos arcaicos, propondo e defendendo medidas sociais de interesse efectivo para os seus membros, com base apenas em argumentos concretos e de natureza racional.

Muito obrigado a V. Ex.ª por me ter permitido interrompê-lo para trazer tão modesta achega a sua oportuna intervenção, pela natureza e sentimentos que deixa transparecer, e que são, efectivamente, de interesse nacional, porquanto os surdos, essa família ignorada, no número e em mais alguma coisa, também são portugueses.

O Orador: - Sr. Deputado Eleutério de Aguiar, estou sumamente agradecido pela intervenção que V. Ex.ª fez. Em primeiro lugar, porque sei que V. Ex.ª é um especialista na matéria, e especialista com provas dadas, pois V. Ex.ª dirige um organismo na ilha da Madeira, no Funchal, com obra de alto interesse. Ao mesmo tempo, quero dizer-lhe que tenho de lhe devolver os agradecimentos que V. Ex.ª me dirigiu por permitir ter feito a sua intervenção. Quero até agradecer-lhe, mas agradecer-lhe muito, porque, se não tivesse sido a sua intervenção, a minha, modesta, talvez não tivesse o eco que eu pretendia que, na verdade, tivesse.

O Sr. Eleutério de Aguiar: - Não apoiado!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os extractos da carta que acabei de ler a VV. Ex.ªs são tão humanamente elucidativos que só me resta salientar as minhas reservas à base XXII e aprovar na generalidade a proposta de lei sobre o cinema nacional.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente:-Vou encerrar a sessão.

Haverá sessão na próxima terça-feira, à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade das propostas de lei sobre a protecção ao cinema nacional e a actividade teatral.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 50 minutos.