Lopes Vieira e Ferreira de Castro, se fala do estilo «cinematográfico» de um Hemingway, que a solidão de um velho nos nossos dias e no nosso mundo ganhou presença e força com «Humberto D», que é possível dizer, como Thévenot(5) que, «se um novo dilúvio devesse destruir todas as criações da civilização moderna, bastaria ao novo Noé embarcar 20 ou 30 filmes para permitir à Humanidade futura reconstituir a fisionomia do nosso Mundo», ou, como Henri Agel, que «o cinema triunfa do efeito do habito que nos impede de ver bem as coisas à força de as olharmos todos os dias. O écran, por meios acessíveis a todos, traz-nos a boa nova de uma criação a redescobrir sem cessar, a reassumir, da algum modo, com toda a nossa força e nosso amor»(6).

9. Parece que seria erro grave querer, nos nossos dias, continuar a pensar em tempos de humanismo clássico.

A Humanidade está a caminho de uma civilização planetária, [...] para onde é levada por duas forças, uma das quais é o progresso constante da tecnologia e a outra uma aspiração moral não menos irresistível: a necessidade de o homem aceder à Humanidade(7).

Aí entronca o que já se chamou «o humanismo cinematográfico».

10. Destas premissas resulta para mim extremamente claro não ser na Secretaria de Estado da Informação e Turismo o assento próprio para a intervenção e a planificação ao nível público da cultura e dos suas formas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Enquanto não criamos o Ministério da Cultura, é ao Ministério da Educação Nacional - ainda que empenhado numa reforma do ensino que é, sem dúvida, e desde Pombal, das reformas mais importantes da história da cultura portuguesa, mas, até por isso mesmo, necessariamente renovado nos seus quadros e métodos- que tais atribuições terão de ser conferidas.

Vozes: -Muito bem!

indústria cinematográfica incipiente, deverá receber-se com desconfiança qualquer proposta aparentemente muito vantajosa» e «na produção de películas educativas, só oferece condições de êxito a colaboração de profissionais daquela indústria com cientistas e professores que conheçam bem as possibilidades artísticas e técnicas do cinema».

Para além disto, há todavia a introdução real do cinema nos vários sectores do ensino português, iniciada em 1953 com a Campanha Nacional de Educação de Adultos.

11. Aqueles de nós que mais dentro estamos dos problemas do cinema terão notado que o Sr. Deputado Veiga de Macedo não deixou de referir-se à experiência efectuada no âmbito do Plano de Educação Popular.

Creio que me perdoará que diga que o fez com demasiada pressa.

Que diga ainda que o que a época não foi totalmente compreendido, merece ao menos, aqui e agora, ser justamente apreciado.

E que, para referir o que foi o cinema da Campanha, eu me sirva de uma ci tação, datada de há apenas dois anos após o começo da sua actividade:

Mais de cento e cinquenta mil pessoas puderam, desta forma, recrear-se, educar-se ou compenetrar-se do alto significado da Campanha [...]. Como na produção ou aquisição (de filmes) houve o maior cuidado, pode dizer-se que os programas de cinema já realizados se adoptam bem ao padrão, cultural das pessoas a que se destinam e que a sua qualidade técnica, não só não nos envergonha, como deve ter excedido, em regra, o nível do que até ao presente se tem feito no mundo da cinematografia nacional. E com satisfação que se revela terem sido algumas fitas da Campanha, juntamente com uma italiana, as únicas escolhidas para a cinemateca da U. N. E. S. C. O., no decurso do Congresso Internacional, realizado em Novembro de 1953, em Hamburgo, sobre o cinema, a rádio e a televisão na educação popular.

A satisfação que o Dr. Veiga de Macedo, então Subsecretário de Estado da Educação Nacional e responsável pela Campanha, naturalmente sentia ao fazer a comunicação que citei, tem, agora que a problemática do cinema volta a pôr-se, razões para permanecer.

Creio bem que me será perdoado o parêntese, homenagem devida por quantos esperam que o cinema tenha o seu lugar pleno nas tarefas urgentes de promoção cultural do País.

12. Ainda que por razões diametralmente opostas às referidas no parecer da Câmara Corporativa - e não posso calar como me parece chocante uma tendência que se vai manifestando aqui e além e que parece pretender sobrepor interesses de grupo aos interesses nacionais -, não me parece correcto o sistema de «contingentes» delineado na proposta.

Porque o problema transcende o âmbito da simples discussão na generalidade, a ele me referirei, ainda que em largos traços.

Será talvez esta a oportunidade de reparar uma injustiça, naturalmente involuntária, do parecer da Câmara Corporativa.

Ao discutir-se a proposta de lei de protecção do cinema nacional, não parece justo, efectivamente, citar apenas entre os pioneiros da indústria cinematográfica dos anos 20 a portuense Invicta Filme, cuja actividade é aliás apreciada em termos de rigor, que parecem, esquecer que em seis anos de actividade realizou dezoito filmes e entre eles Os Fidalgos da Casa Mourisca e Amor de Perdição, de valor excepcional para a época.

5 Cinéma d'exploration, cinéma au long cours, p. 17.

6 le cinéma a-t-il une âne, p.6.

7 René Maheu, La Civilisation de l'universe, p. 80.