grandes produtoras europeias e americanas, cujos filmes distribuiria, juntamente com os da sua própria produção. Assim tinha a certeza de assegurar a colocação dos seus filmes, poder discutir preços de importação e assegurar até um justo equilíbrio de trocas no mercado fílmico.

Creio que vale a pena reflectir no pensamento tão sumariamente esboçado.

E valerá tanto mais a pena quando é certo que em 1970 se verifica em Portugal que as distribuidoras praticamente concentram nas suas mãos ou controlam, inclusivamente impondo-lhe já os tais contingentes, o conjunto dos exibidores.

Mas, por sua vez, unia boa parte das distribuidoras são firmas integradas no âmbito de uma casa-mãe, que é uma grande produtora europeia ou norte-americana.

Quer dizer que, vivendo em espaço fechado, como agentes exclusivamente de importação, e meras exportadoras dos lucros da actividade, estas firmas de nenhum modo poderão estar interessadas em fazer o jogo da expansão económica nacional, ou o do cinema português, ou sequer o do cinema entendido como factor cultural e não como simples mercadoria.

A hostilidade que durante os anos 50 foi a norma prática de actuação de uma Metro ou de uma Fox em relação ao movimento cineclubista não teve outra origem.

Mas, nestas coisas, somos magnânimos. O apoio estadual verificou-se sempre em relação ao cinema comercial, nunca ao cultoral. O movimento cineclubista foi alvo de todas as suspeições e, naturalmente, abafado. Às firmas... pelo menos, tinham representação ao nível corporativo ... E, se por esta via, alguma co-produção conseguimos, os exemplos são raros e de modo a deixarem dúvidas em relação ao parceiro que mais vantagens colheu.

Quero dizer que o único pensamento que o pequeníssimo mercado cinematográfico que somos despertou no mundo industrial do cinema foi o de nele instalar uma série de firmas, que permitem a cobertura do mercado no âmbito de uma rede de pontos de apoio.

É neste condicionalismo que me parece o sistema de «contingente» sempre de rejeitar. Bem preferível me parece estabelecer-se, em relação ao binómio produção estrangeira - distribuição, normas especiais que obriguem a reinvestir ou, ao menos, incentivem o investimento de parte dos lucros na actividade cinematográfica portuguesa.

Voltarei ao assunto quando da discussão na especialidade.

13. Uma terceira nota aqui quereria deixar ficar sobre o papel da crítica especializada e isenta.

A sua importância, no contexto português em que a cultura cinematográfica é ainda quase inexistente, será essencial.

Apesar de um movimento importante e recente, que se traduziu na modificação das colunas da crítica dos vespertinos, ainda valerá a pena que uma lei de cinema não deixe de distinguir entre a crítica, que, discutível como toda a opinião, por ela assuma inteira responsabilidade, e a publicidade mais ou menos encapotada.

14. Em relação ao cinema de amadores parece firmar-se a posição da Assembleia, contrariando a «discriminação» sugerida pela Câmara Corporativa. Também me parece tal correcção indispensável.

15. Ainda, o cineclubista que durante muitos anos fui e algumas responsabilidades no movimento que teve, não pode senão apoiar aquilo que sobre os cineclubes aqui já foi dito.

É incompreensível a omissão e grave seria a responsabilidade cultural desta Assembleia se a subscrevesse.

O cineclubismo foi, até hoje, a única tentativa global e séria, em Portugal, tendente a defender e a propagar o valor social e cultural do cinema.

16. Uma outra nota ligeiro, que não posso nem devo calar, é a que diz respeito à Cinemateca Nacional.

A escassez de verbas, mas o entusiasmo do Dr. Félix Ribeiro, permitem-lhe ser hoje, e somente, uma boa biblioteca.

Pouco usada e pouco conhecida.

Mas é preciso à cultura portuguesa que a Cinemateca, dita nacional, e, portanto, cuja acção tem de regularmente se sentir em todo o País, exista e funcione como filmoteca viva e actuante.

Medidas idênticas às que foram utilizadas em numerosos países (cito, de cor, a França, a Itália, a Suécia e até a própria Espanha), sem que nenhum direito fosse lesado, terão de impedir a destruição sistemática dos filmes, pelo fogo ou à machadada, depois da exibição comercial.

A cinemateca tem de possuir o direito de quebrar este acordo inconcebível entre produtores e distribuidores que entre nós vigora.

17. Ainda, e a propósito, não quero deixar de anotar como parece necessário que a intervenção estadual venha efectivamente a verificar-se no que toca às infra-estruturas cinematográficas (salas e equipamento), a formação de técnicos (escolas) e o apoio ao cinema educativo.

18. Creio que o problema da dobragem não está também suficientemente equacionado no âmbito da proposta.

Parece-me que, neste momento da cultura portuguesa, permiti-la será medida útil. Haverá é que estabelecer limites sérios para não permitir nem o negócio fácil dos aventureiros nem o desrespeito pelas obras de arte.

Como, já há algum tempo, escreveu um jornalista presente nesta sala(8).

Somos pela protecção dos filmes originais, como todos os amigos do cinema. Mas se o povo pode lucrar algo com a projecção de alguns deles - que só entenderá na língua portuguesa, caso dos analfabetos -, somos pela edição, para esse povo, de uma cópia dobrada. A cultura do povo não deve ser pretexto para ofender a Arte, assim como o respeito pela Arte não deve ir ao ponto de prejudicar a cultura do povo.

8 Manuel de Azevedo, in «À margem do cinema nacional».