Acresce que este assunto dos teatros do Estado é muito complexo e delicado. Disso me pude aperceber quando, ao longo de sais anos, exerci funções governativas no Ministério da Educação Nacional.

Esta experiência ocorreu-me à memória quando tive de meditar sobre o sentido da disposição, agora a ser discutida, pois, embora nela não se preveja um só regime a seguir na exploração dos teatros do Estado, a forma como vem concebida faz supor haver determinada ideia subjacente quanto a este problema.

For isso, julgo dever pedir a atenção do departamento que vai regulamentar e executar a lei para a vantagem de se pôr ao corrente dos estudos e relatórios existentes no Ministério da Educação Nacional, com conclusões de grande interessa, embora raras vezes aplicadas como seria para desejar.

Quero referir-me, de modo especial, aos três regimes que, em regra, são adoptados na exploração dos teatros do Estado, ou sejam: concessão a uma sociedade artística, administração directa pelo Estado e adjudicação a uma empresa.

O primeiro regime não vingou entre nós. Em notável documento que possuo, afirma-se que tentativos repetidas para a instauração em Portugal desse sistema faliram estrondosamente, não obstante os vultosos subsídios do Estado e outras circunstâncias favoráveis.

A solução da concessão a uma empresa não se tem mostrado também compatível com o objectivo superior de educação e cultura a que deve visar um teatro nacional. A tal respeito, reproduzo mais esta impressiva afirmação:

Pode impor-se à empresa concessionária uma rede estreita de obrigações; pode ela aceitá-las com sério espírito de as cumprir; pode sujeitar-se a sua actividade a severa fiscalização e orientação: sempre as preocupações espirituais hão-de ceder perante outras menos nobres, sempre as imposições da bilheteira hão-de fazer-se sentir por forma decisiva, ou se trate da organização do elenco ou da escolha das peças.

Bem sei que, contra esta solução, se alinham argumentos de peso. Já se disse que, "confiados na estabilidade da sua situação material, muitos artistas do teatro administrado pelo Estado se limitariam a um trabalho de rotina sem procurarem esmerar-se e os artistas decadentes ou indisciplinados que não encontrassem, colocação em empresas particulares, bem como os dramaturgos cujas obras medíocres não encontrassem aceitação noutros teatros, recorreriam às mais prementes influências para participarem dos benefícios estatais".

Mas, se se quiser, há maneira de contrariar ou afastar em grande parte esse perigo, realmente de temor, através de uma direcção artística e administrativa firme e atenta e de um sistema de trabalho baseado em contratos que conduzissem, com prudência, à renovação dos quadros, evitando ou atenuando a tendência para a rotina.

É evidente que, para tanto, seria mister gastar dinheiro, mas quando é que, entre nós, se há-de deixar de ser mesquinho nestas coisas da cultura, se se é tantas vezes mãos largas em obras de interesse secundário, quando não discutíveis, por serem perdulárias ou de pura fachada ou mesmo sumptuárias?

Necessário se torna conceder assistência financeira às empresas teatrais e fomentar o aparecimento e desenvolvimento de novos agrupamentos cénicos particulares. Mas também é necessário criar, como padrão, organizações de teatro que tenham estabilidade e resistam, pelo seu apoio oficial ê pelo alheamento de finalidades comerciais, às contingências das explorações com fins lucrativos.

Mas tudo isto, infelizmente, há-de ir devagar, não tanto, diga-se em abono da verdade, por culpa do Estado, mas por força de uma mentalidade ainda não suficientemente evoluída e bem mais generalizada do que seria de desejar.

Eis um terreno muito longe do estar desbravado, e pena é que alguns, com responsabilidades, não queiram colaborar em mudar este estado de coisas, tão entretidos andam a apreciar, com facciosismo ideológico ou pseudo-ideológico, com preconceitos sem elevação, com invejas ridículas, os problemas nacionais e os homens e as iniciativas de valor.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de emenda

Propomos que a base XXI da proposta de lei sobre a actividade teatral passe a ter a seguinte redacção: Os recintos de teatro de que o Estado seja proprietário ou de cuja exploração seja titular poderão ser cedidos a empresas que se proponham explorá-los, mediante decisão do Governo. Os departamentos públicos interessados deverão promover que os teatros do Estado funcionem durante todo o ano, mesmo que, para tanto, se torne necessário ceder a sua exploração a mais do que uma entidade.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente: O espírito que presidiu à apresentarão da proposta de que fui subscritor com outros Srs. Deputados era o de que, se o Estado admite que as companhias de exploração teatral comerciais devem explorar a sua actividade, pelo menos, durante quatro meses e julga que é possível fazê-lo durante todo o ano, não parecia coerente que o mesmo Estado, em relação aos recintos de teatro de que seja proprietário ou de cuja exploração seja titular, os mantivesse fechados durante largas temporadas. Tínhamos presente o caso de teatros nacionais, utilizados durante escassos períodos do ano ou para exclusivo benefício de pequenas camadas da população.