O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Em certo espaço de tempo, e muitas vezes de forma inesperada e dramática, sofreu esta Assembleia, com a morte de alguns Deputados, perdas irreparáveis, difíceis de traduzir em curtas, embora sentidas, palavras como aquelas que me propus aqui pronunciar. De muitos desses nossos colegas, pelas qualidades que possuíam, pela idade, pele espírito jovem de que tantas vezes deram sobejas provas, havia ainda muito a esperar dentro desta difícil missão em que todos nós estamos vivamente empenhados.

Foi mais recentemente a vez do Deputado Antão Santos da Cunha, e ainda que nos custe a crer no seu desaparecimento, é uma triste e pungente realidade que se nos impõe, que veio juntar-se às irreparáveis perdas já sofridas.

O reconhecimento e a gratidão foram e continuarão a ser apanágio das almas bem formadas, e porque assim é, tributemos-lhe a nossa homenagem

Bem haja, Antão Santos da Cunha, pelo seu esforço, pela admirável lição que nos legou e pela vivacidade com que tão brilhante e justamente soube defender sempre os altos interesses do País, lutando sem desfalecimentos, sem desânimos, com fidelidade e com firmeza exemplares, pela grande causa da Nação, e que é a causa de todos os portugueses que, como ele, o souberam ser.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Encontrava-me no Parto quando, em 25 de Fevereiro último, ali morreu o Dr. Antflo Santos da Cunha.

Para mim, o infausto acontecimento não constituiu surpresa, mas feriu-me e emocionou-me como se o tivesse sido. E só não ergui logo nesta Câmara a minha voz a lamentá-lo, por ter querido acompanhar, como era meu dever de amigo e de companheiro de ideal, o corpo do nosso malogrado colega à sua última morada, em dia de sol esplendente, mas de profunda tristeza nas almas. Ex.ª, Sr. Presidente, e os ilustres Deputados Albino dos Beis e Almeida Garaett não deixaram, porém, de, nessa altura, em vésperas da suspensão dos trabalhos parlamentares, prestar significativa homenagem, em palavras repassadas de justiça e de sinceridade, aquele que, durante várias legislaturas, deu, nesta Assembleia, toda a medida das suas extraordinárias qualidades de homem de pensamento e de estudo, de político de rasgada visão e de tribuno de notável eloquência.

Com 56 anos, o Dr. Antão caiu ao cabo de doença pertinaz que pôs à prova - duríssima e longa prova - a sua capacidade para suportar o sofrimento e a sua resignação, próprias dos que tem fé e acreditam no destino transcendente do homem.

Muito havia ainda a esperar dessa figura singular de político nato, principalmente numa fase da vida portuguesa que se caracteriza por constantes tentativas para destruir os valores morais, minar o princípio da autoridade e abalar a própria unidade da Nação e a sua vocação universalista.

Em hora de temerosa confusão nos espíritos e na vida social e de abdicações, transigências e desvios que já nem poupam o domínio sagrado do dogma, a morte prematura do Dr. Santos da Cunha é de assinalar como perda enorme.

Estou em condições de fazer tal afirmação, pois conhecia-o de perto e de há muito. Não esqueço que iniciei a minha carreira pública, em 1940, com ele colaborando estreitamente na Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência da Covilhã. Pude, então, apreciar os seus dotes de inteligência, a têmpera do seu dinamismo e a sua impressionante capacidade de realização.

Como delegado do I. N. T. P., o Dr. Antão poderá, acaso, ter sido igualado, mas, por certo, não ultrapassado no fervor da fé corporativa, na autenticidade do espírito social, na capacidade de trabalho e na riqueza da imaginação criadora.

Todos estes atributos, servidos por uma sólida cultura humanista e por uma preparação e intuição jurídicas verdadeiramente raras, haveriam de sobressair ainda mais quando, depois de exercer a magistratura judicial do trabalho, desempenhou, ao longo de alguns anos, as funções de governador civil em Castelo Branco e, mais tarde, no Porto. Quem poderá esquecer a brilhante e decisiva acção que desenvolveu neste último distrito, durante a célebre campanha de 1949 para a eleição presidencial?

Bastaria este altíssimo serviço prestado ao Pais e ao Regime para o consagrar e o impor como personalidade dos mais válidas, lúcidas e operosas do nosso escol político e intelectual.

Vozes: - Muito bem!

Perante este erro imperdoável e esta injustiça flagrante, o Dr. Antão teve de diminuir a sua actividade política para se dedicar à vida profissional, como, aliás, lhe era aconselhado pelos seus encargos familiares.

Houve, contudo, de ser ainda aproveitado pela União Nacional, que o propôs, repetidamente, como candidato n Deputado. Por isso, durante mais de vinte anos se afirmaram Desta Câmara a pujança e a fluência da sua oratória, a mobilidade e o fulgor do seu raciocínio, o desassombro das suas atitudes e, principalmente, a permanente fidelidade da sua inteligência e do seu coração a doutrina política e social vazada pelo génio de Salazar nas linhas e estruturas essenciais do Estado saído da Constituição de 1983.

Estou a tê-lo - e todos o estarão também a ver como eu - a entrar pela última vez cesta Casa, donde a doença o trazia afastado havia meses. Foi na sessão de 29 de Janeiro. Aquela porta, ali à direita de V. Ex.ª, Sr. Presidente, abriu-se e nela se recortou, pálida e seca, a figura do Dr. Antão. Eu estava no uso da palavra, mas apesar disso pude pressentir, no seu andar lento e hesitante e nos seus olhos tristes e profundos a fixarem as últimas imagens da Assembleia, que ele viera para se despedir definitivamente de nós.

Todos ficámos com a certeza de que não voltaria. E não voltou.

Não Voltou, nem voltará. Mas a recordação do seu verbo fogoso, da sua simpatia comunicativa e do seu pensamento sempre fiel às grandes certezas e aos valo-