A ilha de Pasárgada já nem seria um reino, o monarca teria sido destituído ou executado em qualquer encruzilhada da felicidade, ou teria feito como outros, que- escondem, envergonhados, a qualidade de príncipes. Pasárgada foi destruída, o poeta já n Só encontra ali o mundo da sua fantasia, já não mora lá o rei seu amigo, já não terá a mulher desejada para a noite em que tiver vontade de se matar.

Pasárgada tornou-se membro das Nações Unidas, a felicidade sucumbiu à espionagem organizada, às pressões diplomáticas, e aquela civilização prodigiosa, onde havia de tudo, afundou-se no caos, donde um tirano emergiu e pôs a ilha a ferro e fogo.

Pasárgada, a Pasárgada do poeta onde todas es coisas davam, aos homens que fossem preocupados ou tristes, uma lição de infância, essa ilha sonhada, exportaria agora grandes títulos para o noticiário internacional.

É nesta civilização quase despida de sonhos, nesta «civilização da aventura no mais alto sentido, onde o homem avança iluminando-se com o facho que ergue em suas próprias mãos» (André Malraux), é aqui o limiar das grandes tarefas que desafiam a comunidade luso-brasileira.

Escreveu Moniz Barreto que a nós, Portugueses, «a função que coube na história é o heroísmo e a fé». E ia explicando:

Destituídos de imaginação penetrante e do dom de vasta compreensão, desprovidos de larga simpatia e de curiosidade infatigável, primamos pela energia da vontade e pela grandeza do carácter. 0 fundo deste carácter é a honra militar.

E prosseguia o fascinante ensaísta goês:

A capacidade de afirmar e querer, de obedecer e dedicar-se, uma tendência singularmente nobre de transformar o mundo à imagem do nosso ideal, uma generosa impaciência da perfeição, o desdém da beleza plástica e dos delicadezas aristocráticas, um pensamento simples como um acto, a paixão concentrada e a seriedade trágica, eis outros tantos troços do génio peninsular.

E dentro desta linha de carácter que a nossa literatura se afirma no lirismo, no teatro de caracteres e espelho da vida, num romance em que a análise da alma humana não cede perante o aceno irresistível da acção, e sobretudo por uma produção épica em que a nobreza se exalta mo culto do dever e na grandeza da Nação. É esta lição que ainda hoje nos afirma perante o mundo como entidade histórica digna de respeito.

Somos europeus sem deixarmos de ser atlânticos e universalistas. A comunidade que fizemos espalhar pela rosa-dos-ventos recebeu de nós o espírito da nossa faixa atlântica - «o rosto com que fita», nos versos de Fernando Pessoa -, mas, na osmose do carácter, no cadinho da História, onde se forjam as nações e os. povos se afirmam e sublimam, recebemos algo que nos fez transcender da Europa, sem deixarmos de ser fiéis à madre - àquela princesa, filha do rei fenício Agenor, que Zeus raptou e trouxe para cá do Mediterrâneo e que viria a desentranhar-se em beleza, em cultura, em arte, em civilização.

Estamos hoje exaltando a comunidade das nossas duas pátrias. Celebramos o Brasil e celebramos Portugal- hoje em todos os continentes, por gente de cores diversas e de credos diversos, de raças diferentes e diferentes

usanças, mas falando a mesma língua em qualquer dos sete partidos, defendendo os mesmos valores, participando da mesma história e endereçada para o mesmo destino, que são as largas e promissoras estradas do futuro.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Desde Brasília a Lisboa; de Luanda a Macau; do Rio a Moçambique; dos Açores a Timor; da Guiné até aos longínquos e misteriosos sertões da Amazónia - por todo o Terra se ergue hoje um coro de louvor à comunidade luso-brasileira. E nesse coro, a repercutir-se pêlos continentes e pelas campinas celestes, parece entender-se distintamente o mandato da História e o mandato dos povos:

«Mais alto, mais além!»

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Interrompo a sessão por alguns minutos.

Eram 17 horas o 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à

Continuação da discussão ma generalidade do projecto do lei do Sr. Deputado Cancela de Abreu sobre a reabilitação e integração social de indivíduos deficientes.

Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Horta.

O Sr. Ricardo Horta: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontra-se em discussão nesta Assembleia um projecto de lei regulador dos preceitos jurídicos e outros relativos à reabilitação e integração social dos indivíduos deficientes.

Estou certo que este diploma vem demonstrar aos cidadãos conscientes a complexidade de um problema, dos mais sérios do nosso tempo.

Cresce de forma assustadora o número destes inadaptados, sendo uma grande parte consequência dos meios do progresso das sociedades modernas.

Os países não podem hoje ficar indiferentes às camadas populacionais que por qualquer forma se desvalorizem, às quais assiste o direito de recuperação e ingresso nas populações activas.

São responsáveis os governantes pela aplicação da moral e da justiça social, e neste campo não é aceitável actualmente o imobilismo ou o indiferença, pois correm o risco de os povos que governam serem considerados ausentes do civilização moderna.

Não devem, e nem hoje são totalmente aceites os imperativos nacionais que visam somente o desenvolvimento económico ou a administração.

Há outro sector, o espiritual, que para a vida humana, e em especial para o momento que passa, é indispensável ponderar, pelo seu extraordinário interesse, ainda que as actuais civilizações não o tenham acompanhado de forma o trazer a sua harmonia para o bem e o conforto dos povos.

Se uma sociedade se esvazia do seu espírito, resta somente o económico e o político com o fim de criar o