se as pessoas iam sentindo; no seu íntimo, que as crises em Lisboa ganhavam maior, importância porque o Governo as sentia mais de perto, havemos de concluir, aqui e agora, que, ao urbanizar-se, as massas rurais se aproximam mais das fontes geográficas do Poder.

Quer dizer: adquirem peso político maior.

Não é menos verdade que os rurais «chegados à cidade» não ficam logo, imediatamente, urbanizados. Conservam laços com a terra de origem, que se traduzem desde a pequena importação de produtos, temperos e «mimos» da terra, até aos almoços, aos clubes e às casas regionalistas e ao sucesso do folclore (mesmo que mais ou menos adulterado para inglês ou telespectador ver), às visitas e às ligações com os conterrâneos, às férias e ao desejo de casa na terra.

Julgo que, de algum modo, esses laços de parentesco e relações também pesam num processo complexo que faz com que, chegados à cidade, não adquiram logo aí vínculos de dependência política.

O certo é que tudo se passa como se sentissem que os interesses em jogo não são ainda (repare-se que digo ainda) os seus.

E isto parece-me inclusivamente verdade em relação a própria problemática sindical.

Mas isto nulo altera o que venho a dizer Parece igualmente importante não esquecer que o peso político potencial das massas rurais urbanizadas - até por estar disponível- não pode continuar a ser ignorado.

Quero dizer, portanto, que as massas rurais chegadas à cidade ficam numa situação de marginalidade política, isto é, sem participação.

O processo político é-lhes alheio, não se sentem representadas, nem se identificam com as opções que lhes são oferecidas.

Creio que é a altura de traçarmos os caminhos que permitam que esta deixe de ser a situação da maior parte dos portugueses.

Quando da próxima discussão da revisão constitucional espero, alias, voltar ao assunto.

Por hoje, limitar-me-ei a adiantar que a situação e os problemas enunciados me parecem comportar uma única resposta política.

É inútil querer oferecer nos campos as condições da cidade: estas só se encontram realmente na cidade. A melhoria indispensável das condições dos meios rurais nada contrapõe ao carácter «irreversível» da urbanização. Â urbanização não é, cuias, uma particularidade portuguesa. Acompanha o desenvolvimento. Sentimo-la, com particular intensidade,' porque em 1950 50 por cento da população trabalhava nas actividades primarias e o produto das indústrias transformadoras- era ainda inferior ao do sector primário. Não há que chora-la (à urbanização), mas que entendê-la e orientá-la como factor de modernização e progresso. Em cerca de duas décadas será da ordem dos 10 por cento a parte da população com ocupação na agricultura, o que significará «a urbanização de 2 ou 5 milhões de portugueses».

Há uma só resposta política: dar aquilo a que aspiram os que se deslocam; um desenvolvimento económico mais acelerado; uma redistribuição de rendimentos de acordo, ao menos, com as aspirações populares à participação ê ao consumo.

O caminho é o das reformas, cada dia mais necessárias e urgentes.

Vozes: - Muito bem!

O .Orador: - Poderia concluir aqui. Mas, propositadamente, não falei da outra parte do fenómeno migratório

a emigração -, que já Ezequiel de Campos ia filiar na consciência crescente de «que a aldeia natal era, de facto, pobre; que a alimentação e o vestuário eram deficientes; que a categoria social em que se estava era- intolerável» de modo que «a onda de emigração cresceu com n não satisfação da felicidade de viver»1.

Continuando (acabando) em termos políticos.

Creio que não pude deixar aqui hoje nada mais que interrogações. Dar-me-ia por satisfeito se elas nos deixassem inquietos.

Com a profunda e amarga consciência de que enquanto por vezes devaneamos há pessoas que emigram. Em termos políticos é como se votassem contra nós.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Contra nós, que não fomos ainda capazes de lhes oferecer um país onde possam viver, digna e livremente.

Vozes: -Multo bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: Começarei por dirigir uma palavra de apreço ao ilustre Deputado avisante, de apreço pêlos seus méritos profissionais e humanos, pelo seu espírito de devoção, mas também pela importância e oportunidade do seu aviso prévio.

Temos de superar velhas estruturas, de transformar profundamente serviços e técnicas de decisão, de modificar mentalidades ultrapassadas pelo tempo e pelas exigências da vida se quisermos construir o Portugal do nosso tempo, fiel embora ao seu passado e intransigente na defesa dos seus ideais de sempre.

Não é possível continuar a viver, apesar da dimensão do rincão europeu, sob um centralismo burocrático, estiolante e ineficaz, nem dar foros de cidade a bairrismo estéreis e inoperantes, sob pena de assistirmos à progressão geométrica dos desequilíbrios e das assimetrias regionais de desenvolvimento, de mau cariz e pior expectativa, só comparáveis aos que se verificam na imensa Rússia.

Os trabalhos que sobre esta matéria vão aparecendo, com alguma timidez e pouca segurança, por falta de elementos bastantes, são suficientes para que todos se dêem canta da tragédia de um desequilíbrio entre regiões e entre sectores que os primeiros elementos do censo populacional vão representando de forma impressionante e a emigração mede de modo preocupante.

Vencer o atraso do País é exigência de que estão conscientes governantes e governados, combater os desequilíbrios inter-regionais e initer-sectoriais constitui clamor que nem por não ter ultrapassado o verbalismo deixa de acicatar os responsáveis.

Parece, assim, estar realizada a condição base para vencer este pesado condicionalismo, mas é mister passar das intenções e propósitos aos actos concretos, às medidas resolventes, às realizações efectivas.

Tenho para mim, de há muito, que a única forma eficiente de lutar contra a prepotente burocracia e paralisia asfixiante dos nossos serviços públicos, acoitados à amenidade do clima lisboeta e sob a custódia do paternalismo govenativo, só pode encontrar-se, rápida e decisivamente, numa redução, ainda que transitória, da intervenção do Estado, aliminando-a na infinidade de acções

1 Ezequiel de Campos. A Orei, pp. 109-200.