Fôssemos nós capazes de, em vez deste decreto de circunstância que aqui quisemos trazer, criar a lei autêntica de que, ao começo, falava.

Sr. Presidente: Ainda uma palavra introdutória.

Gostaria eu de propor um método de trabalho.

E que .da leitura dos poucos exemplos anteriores, colhi a sensação de que varias vezes a Câmara terá pensado, com algum embaraço, ter cometido uma "ousadia". Daí que todo o debate se fizesse (ou talvez só me parecesse ...) em tom de solicite, e pronta vénia de quem. acima de tudo, parece, gostaria de poder manter n crença na infalibilidade governamental.

Tentei já dizer como, no campo dos princípios, outra deverá ser a nossa atitude.

E, se ensaiássemos a discussão, serena e francamente, como se estivéssemos face a um projecto? Não interessará tanto a origem como o conteúdo.

O que está em causa é a validade, a justeza e a oportunidade de uma iniciativa legislativa.

Já agora ... proposto o método, permita-se-me o parêntesis: acrescentaria que "um projecto" como este só chegaria ao plenário por um critério bem menos severo do que o usado pelas Comissões quando diva iniciativas dos Deputados: a sua inoportunidade e inconveniência política parecem-me manifestas.

Entrando na matéria, começaria eu por colocar duas linhas fundamentais de reflexão.

A primeira é o "desenvolvimento".

No ensino primário, pôde Maria de Fátima Bivar verificar que para um total de 888 textos, 91 decorrem em ambiente rural, referem-se ao trabalho rural, valeram a ruralidade como a forma natural de uma sociedade estar"1.

Creio que, efectivamente, terá havido um momento da sociedade portuguesa, ainda agora reflectido nalgumas imagens e valores propostos, em que o desenvolvimento terá assustado: perante a grandeza do empreendimento e os riscos da aventura, a tentação de Vale de Lobos terá sido demasiado forte ...

Mas também penso que, hoje e agora, o processo é irreversível. O problema nem sequer é posto em termos de escolha possível.

Não há outra saída..

Não é um problema de querermos ser ricos quando poderíamos ser felizes de outro modo si um problema de querermos continuar a ser".

Outro ponto de partida para reflexão é o da salta de preços, certamente o problema miais grave que enfrentámos na metrópole em 1971, com um agravamento previsível da ordem de mais de 10 por cento segundo os últimos índices publicados pelo Instituto Nacional de Estatística.

Nem precisávamos, aliás, dos Índices. Quantos portugueses não vão, dolorosamente, verificando todos os dias, como a vida está cara e mais cara em cada dia?

Nesta linha dupla, quereria eu entroncar o problema do cooperativismo.

Ë que a situação portuguesa caracterizada - processo irreversível de desenvolvimento, situação preocupante quanto à alta de preços - pareceria dever levar a uma política activa de fomento do cooperativismo.

Na verdade, a cooperação de consumo tem por finalidade económica necessária um aumento do poder de comprados indivíduos, isto é, dos seus rendimentos reais.

Parece, por conseguinte, que numa situação de inflação preocupante o aumento do poder de compra tem o maior interesse, e, como tal, deveria ser legislativamente protegida e incentivada a actividade cooperativa que o permite.

O Sr. Sá Carneiro: Muito bem!

O Orador: - Acresce numa sociedade em desenvolvimento a justa redistribuição dos rendimentos terá de ser preocupação marcante.

Ora, também o cooperativismo de consumo, que aumenta os rendimentos do consumidor em detrimento dos comerciantes e industriais, elimina intermediários e impede o avolumar dos lucros obtidos na transacção de bens essenciais, parece ter aqui alguma utilidade social.

O Sr. Si Carneiro: - Muito bem!

O Orador: -Acresce que o capital das cooperativas é constituído pelas economias dos seus membros. Há assim uma poupança que, ou não se teria sequer realizado, ou, pelo seu fraccionamento, não teria expressão.

Contribuem assim os cooperativos para a formação de capital, tão necessária.

Ainda, permitindo uma previsão relativamente fácil da procura dos membros, possibilitam uma mais clara visão do mercado!.

Há ainda todo o vasto campo que se costuma englobar na rubrica "defesa do consumidor".

Em muitas partes do Mundo, as cooperativas têm desempenhado papel apreciável como poder compensador do mercado por uma política activa de preços, por integração das unidades de pequena dimensão e por produção de bens de consumo.

Foi assim que na Suíça, na Suécia ou na Dinamarca, entre 50 a 78 por cento dos famílias estão associadas em cooperativas.

A defesa do consumidor está, aliás, na lógica do movimento cooperativo, surgido como defesa dos mais fracos perante os excessos e os desequilíbrios permitidos pelo liberalismo económico.

O movimento cooperativo francês tem, nesta linha, tomado posição no que se refere quer à regulamentação comercial, quer à política fiscal e alfandegária.

À Sociedade Geral das Cooperativas de Consumo compete, nomeadamente, defender o ponto de vista dos consumidores no Comité National dês Prix e em diversas comissões técnicas, como nos Ministérios encarregados da comercialização dos produtos.

E, por exemplo, ainda, mo quadro do Mercado Comum, tombem às cooperativas são atribuídas funções consultivas oficiais.

As cooperativas estuo, aliás, quase sempre na base das associações de defesa do consumidor que fazem o controlo da qualidade e dos mecanismos dos bens de consumo.

Não quereria alongar-se, mas apenas sugerir uma outra via de reflexão.

Aqui e agora, quem defende o consumidor?

Sabemos que as tabelas não resistem à escassez, natural ou provocada.

Sabemos que não é possível ter um fiscal em cada local de venda.

Sabemos que na presente Lei de Meios não foi possível prever-se a melhoria da situação dos funcionários.

Sabemos o que uma renda de cosa consome.

1 Sérvulo Correia, Cooperação, cooperativismo e doutrina cooperativa", in Estudos Sociais Corporativos, n.º 15.

"Estatística de 1965", in A Doutrina Cooperativa not Regi-mos Capitalista e Socialista, de Diva Benevides Anho, p. 64.