Ora, uma cooperativa é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade particular, muito embora esse interesse privado, como o diria o Prof. Manuel de Andrade, possa não deixar de ter' as suas "atinências com o interesse público". Simplesmente, como o acentuava o ilustre professor, este interesse não assume "relevo especial".

Sempre que uma pessoa colectiva de direito privado visa ou se propõe um escopro de interesse público, sejam os seus fins meramente altruístas, ou sejam interessados, de fim ideal ou de fim económico não lucrativo, saímos do campo das sociedades, que, por definição, são pessoas privadas de utilidade particular.

Saindo do campo das pessoas colectivas de direito privado e utilidade particular, encontramo-nos no campo das pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública.

E aqui não são os particulares que podem submeter ao regime jurídico das sociedades o que por natureza, direi mesmo que por desejo, é já de si uma associação.

Se associação, onde ver violentação num diploma legal

que se limita a reconhecer tal facto e que, longe de criar qualquer regime jurídico próprio, se limita, repito-o, se limita a remeter para a lei informadora e reguladora de tais pessoas jurídicas?

É, a meu ver, isto tão simplesmente que o Decreto-Lei n.º 520/71 veio fazer.

Verificando que nem sempre a realidade formal condiz com a material, esclareceu ser esta a imperotàva para a determinação do regime jurídico, que não aquela.

Onde, pois, a inovação?

Ultrapassará o decreto-lei a mera interpretação?

Em meu entender, com decreto-lei ou sem decreto-lei, o regime mão poderia deixar de ser aquele que o seu 'articulado traduz e define, pois a sua criação antecedeu-o.

Dele acaso teria resultado alguma restrição a direitos anteriores de associação?

Creio igualmente bem que não e que, antes e pelo contrario, a sua entrada em vigor veio dar maiores garantias a esse direito.

Efectivamente, não foram criadas quaisquer peias à erecção de pessoas colectivas de direito privado e utilidade particular e, antes pelo contrário, se veio acentuar a sua total independência em relação a qualquer acto de autorização de natureza administrativa.

Quanto às pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública -pessoas colectivas que prosseguem fins ou objectivos altruístas, ou interessados mas ideais ou não lucrativos -, tudo permaneceu na mesma.

Creio assim que, objectiva e realisticamente, apenas se pode atribuir ao Decreto-Lei n.º 520/71 o feito de chamar a atenção para a inexistência ou falta de substrato jurídico daquilo que já não o tinha e, entes pelo contrário, mediante um processo administrativo prévio, reconhecer como realidades jurídicas entidades que sem ele eram meras aparências.

O Sr. Magalhães Mota: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota: - Era só mais um esclarecimento, aliás ma linha daquele que há pouco encetámos.

Parece-me que V. Ex.ª considera que o Decreto-Lei n.º 520/71 veio introduzir réguas muito simples. Ora não me parece que isso seja perfeitamente consentâneo com aquilo que se diz no seu artigo 1.º E pergunto: Quando uma cooperativa, por exemplo, agrícola organiza um curso de formação de dirigentes, eu digo que isso não á actividade exclusivamente económica, tal como está regulado ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 520/71. Ex.ª, na sequência 3o seu raciocínio, que é perfeitamente dualista e separa, por um lado, sociedades, por outro, associações, integrará esta actividade mima actividade de carácter associativo?

O Sr. Magalhães Mota: - V. Ex.ª então critica o aspecto exclusivo que o Decreto-Lei n.º 520/71 ...

O Orador: - Sr. Deputado Magalhães Mota: Eu talvez seja mais compreensivo que V. Ex.ª Eu até acho que "exclusivo" pode lá estar em ofensa...

O Sr. Magalhães Mota: - Ah! Pode-se manter o "exclusivo" e ter actividades de natureza não económica?

O Orador: - ... E o "exclusivo" referir-se ao objecto ou fim principal da sociedade ...

O Sr. Magalhães Mota: - Não, não. Exclusivo não é principal. Exclusivo é único ...

O Orador: - O "exclusivo" refere-se ao objecto da sociedade, o que não quer dizer que não haja depois possibilidade de, por exemplo, numa cooperativa agrícola, se ensinar a tratar arames; mas esse não é o objecto principal da sociedade ...

O Sr. Magalhães Mota: - Mas o que o decreto não permite são "actividades", não s5o sobjectos" de sociedade ...

O Orador: - Sou mais liberal do que V. Ex.ª na interpretação do decreto, Sr. Doutor ...

O Sr. Magalhães Mota: - O que estamos a tentar é melhorar e evitar interpretações falses que o decreto permite ...

O Orador: - Se a minha interpretação o ajuda, ela aqui ficou, Sr. Doutor ...

O Sr. Magalhães Mota: - Infelizmente não, Sr. Deputado.

Ao fazer estas afirmações faço-as certo de que, tal como eu, há muito já esta Camará se teria apercebido tio perigo de confundir realidades objectivas com mistificações que, se fossem aceites, conduziriam a situações de consequências imprevisíveis.

E que outra coisa não seria que uma mistificação, aceitarmos atribuir regimes jurídicos específicos a aparências que mão a realidades?

Ao encerrar as minhas considerações não quero, contudo, que fique no espírito de quem quer que seja a menor dúvida quanto ao altíssimo interesse que vejo - e estou certo toda a Câmara verá - no desenvolvimento das cooperativas, como do espírito cooperativista.