Com efeito, parece ter-se esquecido que as consequências do seu artigo 1.º não são apenas as de tutela administrativa.

Estas mesmas são por si incompatíveis com o carácter comercial da quase totalidade das cooperativas.

Mas, além disso, há toda a regulamentação do Código Civil referente a associações, inconciliável, tanto em teoria, como na prática, com o regime da lei comercial. Note-se que, diversamente do que se diz na última nota do Governo, as sociedades cooperativas não são necessariamente comerciais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: São uma forma de sociedade comercial que pode ser adoptada por uma sociedade civil, não tendo, nesse caso, natureza mercantil, mas não sendo também associação. Podem, pois, as sociedades cooperativas ter actividade económica e serem sociedades civis sob forma comercial, não tendo, nesse caso, por objecto praticar actos de comércio, ao contrario do que se afirma na referida nota.

O que não se compreende, Sr. Presidente, é que nós aqui e o Governo em suas notas oficiosas estejamos a controverter aspectos técnicos que incumbem a Câmara Corporativa.

A ratificação com emendas levar-lhe-á o diploma em discussão; e ela poderá estudar então todas as questões, entre as quais a de saber se, e como, a aplicação do regime legal das associações às cooperativas a que aludi determinará o afastamento da legislação comercial, o cancelamento da eventual matrícula, etc.

Outras razões invoquei para pôr em causa a economia do decreto-lei, a oportunidade e vantagem dos novos princípios legais, uma das quais a de ele levar no controle policial do cooperativismo, em contrário das decisões do Supremo Tribunal Administrativo, a que nenhuma nota oficiosa alude.

O Governo tem e sempre teve os meios de impedir as falsas cooperativas, de obstar ao desvirtuamento do cooperativismo.

Poderá sempre agir se aí se albergar qualquer actividade delituosa, com todos os vastos meios ao seu alcance.

E poderá também fazê-lo, mesmo que aquele desvirtuamento não tome esse carácter.

Como ao Governo e às cooperativas lembrou o Supremo Tribunal Administrativo, aquele pode promover nos tribunais, por intervenção do Ministério Público, as acções que forem necessárias para se haverem como não existentes as sociedades que funcionem ou se estabeleçam em contravenção das disposições do Código Comercial, como consta do seu artigo 147.º

O que se pretende, com o diploma em discussão, é substituir a repressão judicial pela prevenção policial.

Ou seja, que se visa transferir um poder actualmente pertencente aos tribunais para a Administração, aumentando o seu poder de policia, que é o conjunto dos poderes que o Estado exerce para limitar, por intervenção directa, a liberdade individual, no sentido de prevenir a perturbação da ordem social.

Talvez o Governo tenha razões suficientes para esta transferencia, mas o certo é que as não expôs designadamente em relatório preambular do decreto-lei.

Ora, ela só se justificará se for comprovada a sua necessidade.

Revelou-se inadequado s ineficaz o recurso aos meios judiciais? Há efectivamente lugar a que se alarguem os poderes policiais da Administração?

São pontos sérios e graves que é necessário esclarecer e ponderar. Qual é a composição quantitativa e qualitativa do sector cooperativo português? Que importância têm nele as tais cooperativas "desvirtuadas" a que se vem sempre aludindo de forma genérica e imprecisa? Qual tem sido o- sua acção? Onde estão os supostos partidos encapotados?

Tenho como evidente que sem estes esclarecimentos não pode votar-se a transferência para a Administração de poderes que até ao Decreto-Lei n.º 520/71 pertenciam aos tribunais, e só a eles.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A ratificação com emendas e com suspensão do diploma dá-nos oportunidade de obter esses indispensáveis esclarecimentos.

Insurgi-me também contra o diploma que estamos a discutir por ele ir muito além das próprias conclusões do parecer da Procuradoria-Geral da República que ontem analisei.

Que não, dá o Governo a entender na sua recente nota oficiosa. Baseou-se nesse parecer há muito conhecido, aguardou os comentários que ele suscitasse, ponderou, tudo, até que o diploma foi apresentado ao Conselho pelo Sr. Ministro do Interior.

Que sim, repito eu, sem duvidar embora do estudo, da ponderação, da consideração dos comentários, mas lamentando sempre que tudo isso, e as intenções também, não houvessem sido expressas num relatório, que não se tivesse ao menos consultado a Câmara Corporativa.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O parecer é anterior aos- acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, que o não acolheu. Que influência teve esta jurisprudência na génese do diploma? E a mesma compatível com os- novos princípios legais? Se não é, o que tenho como evidente, qual a grave razão que levou o Governo a optar por solução antagónica?

Por que é que o decreto-lei em debate não respeitou o parecer da Procuradoria-Geral da República? Este admitia que as cooperativas de fim económico exercessem outras actividades, designadamente de natureza social, educativa, pedagógica, sem por isso ficarem sujeitas à tutela administrativa decorrente do regime legal sobre associações.

Mas o Decreto-Lei n.º 520/71 não admite o exercício de tais actividades sem aquela consequência. Porque o foz, só a ratificação com emendas o permitirá esclarecer.

Eu disse que o tal parecer era muito contestável.

E o Governo não ignora que ele foi contestado e criticado nas páginas do mesmo Boletim, do Ministério 'da Justiça em que foi publicado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Contestado e impugnado por um especialista de direito cooperativo e de cooperativismo, por um jurista de alta craveira, que tem sido aqui citado e que tem vários trabalhos sobre a matéria, insertos em publicações oficiais.

Refiro-me ao Dr. Sérvulo Correia, assistente da Faculdade de Direito de Lisboa, e ao seu notável trabalho, O Sector Cooperativo Português, publicado em 1970.

Desconhecer-se-ia este trabalho do Governo?

Inconvenientes de o assunto não ter sido estudado na Câmara Corporativa, que lho lembraria, por certo ...

Mas vamos adiante.