O Orador: - Está bem? Bom. Então continuo.
Começo por dizer que não tencionava intervir. É que até agora os Deputados signatários do requerimento que trouxe à discussão este decreto-lei tinham já dito (muito melhor e muito mais) aquilo que eu poderia dizer.
E acho, sinceramente, que o falar aqui na tribuna não á um fim, mas um meio; um meio de esclarecer, de fornecer dados ao plenário, para que este possa votar com consciência. Evidentemente que não me passa pela cabeça que algum Sr. Deputado, pessoalmente, pelo seu trabalho próprio, se não debruce, não reflicta, não estude, não se informe ... alas, para além disso, entendo que não aos daremos escusar, muna atitude de colaboração, a fornecer os elementos que a cada um cabe valorizar como entenda, para, com plena consciência, dar a sua votação no momento decisivo.
Eu não tenho (o que poderá ser, por um lado, um prejuízo, por outro lado, uma vantagem) formação jurídica. Verifiquei que quase só têm falado juristas. Não juristas, falaram o Prof. Miller Guerra, o Sr. Almirante Roboredo e Silva e, solvo erro, só mais eu. Portanto, peço a benevolência da Assembleia, particularmente dos ilustres juristas aqui presentes, porá as minhas deficiências de ordem técnica.
Devo dizer que a minha permanência Desta Assembleia, desde que para aqui entrei, tem sido, desse ponto de vista, extraordinariamente útil par mim. Vivia num ambiente totalmente diferente: um ambiente das ciências objectivos, regidas por leis claríssimas. Quando se envia um trabalho de biologia para uma revista internacional de alta cotação, esse trabalho é joeirado, quase que diria à dimensão do microscópio electrónico, por um comité de especialistas da matéria. E acontece, às vezes, que o artigo é reenviado ao autor. E é reenviado, dizendo, ou que a revista não aceita, ou pedindo elucidações: "Este termo não está claro, é ambíguo", "você faz uma afirmação que não está demonstrada", "você tira uma conclusão que não pode tirar" e sou corrige estes defeitos apontados ou o seu artigo não é publicado".
Portanto, foi para mim entrar num mundo novo o verificar, o contactar, não só com a ciência jurídica, mas com a arte jurídica, isto é, com a possibilidade de uma proposição ter interpretações antagónicas.
Note-se que não digo isto com qualquer sentido de crítica pejorativa. Devo dizer, com toda a sinceridade, que me sinto enriquecido, porque mesta ante há algo de criador, há algo que, creio eu, é importante pana a própria evolução do direito. Mas, pelo menos inicialmente, senti-me profundamente chocado, não no sentido de escandalizado, mas do choque que vem do contacto com uma realidade diferente.
Ora, a razão da minha intervenção está nisto: sou um representante da Nação, que é constituída, na sua maioria, por não juristas, portanto, que interpreta as leis de uma maneira muito terra a terra. Lê e interpreta o que lá
Declaro com toda a verdade e franqueza que falo aqui com pleno sentido de humildade e peço que vejam em mim realmente um representante do homem da rua - e os sócios das cooperativas, creio que na sua maioria, não são licenciados em Direito.
Repare-se que ele não refere algo que me parece importante referir: caracterizar as instituições pelos seus objectivos. De reato, tenciono, se o Sr. Presidente, quando o entender oportuno, me permitir efectivar o aviso prévio que anunciei sobre educação médica, precisamente pôr o acento tónico nesse ponto: educação médica, para quê? E tudo há-de ser referido a isso. Porque, senão, estamos a actuar no ar.
Ora, se o artigo 1.º se referisse às cooperativas com objectivos económicos, poderia eu então aceitar que haveria uma certa ambiguidade na sua redacção, e ambiguidade por isto: porque se uma cooperativa com fins económicos realizasse uma actividade cultural, não seria difícil demonstrar que essa actividade cultural era um meio que tinha o valor instrumental que poderia levar a realização de fins económicos. E o critério tecnocrático da educação: não para a valorização da pessoa, mas como um meio de desenvolvimento económico - quer seja operário, quer seja um técnico, mesmo superior, quanto mais educado mais e melhor produz.
Poderia dizer-se, no artigo 1.º do decreto-lei, que as cooperativas, quando as suas actividades não sejam "predominantemente, económicas - digamos, em mais de 50 por cento dos casos -, são associações. Mas o que de facto se utiliza é o termo "exclusivamente".
Quero aqui recordar um livro que me impressionou extraordinariamente quando o li, já há alguns anos: Política, de Platão. Recordo-me que ele faz, por um sistema de sucessivas divisões dicotómicas, uma sistematização da organização social. Seguindo o critério de Platão, nós podíamos dizer: os grupos sociais institucionalizados dividem-se em duos grandes categorias - as cooperativas e as que não são cooperativas. Platão definia então os cooperativas e depois dizia: "Aqueles grupos que não estão contidos nesta definição não são cooperativas." Então iria subdividir as cooperativas, por sucessivas dicotomias, em diversas ramificações, e os agrupamentos que não são cooperativas também em diversas ramificações.
Mas se Platão fosse vivo e lesse este decreto-lei ficava muito embaraçado, porque não podia fazer isso. E que, se quisesse separar as cooperativas e não cooperativas, tinha de meter mas não cooperativas cooperativas.
Todavia, continuo a dizer que não sou jurista, sou formado em Medicina e pratico anatomia.
Diz-se no decreto-lei que nas cooperativas que não têm actividades exclusivamente económicas o seu regime legal é o das associações. Deixando de lado preciosismos de termos, isto significa que, na prática, elas são associações: do ponto de vista do entendimento destas cooperativas que não têm finalidade exclusivamente económica, se elas caem no regime legal das associações, são, do ponto de vista ilegal, associações, mesmo que se chamem cooperativos. Toda a gente sabe que há hospitais que têm o nome de hospitais e que, efectivamente, são asilos ...
(Risos.)
Efectivamente, o artigo 2.º não declara que as cooperativas que não exerçam actividades exclusivamente eco-