A correcta realização da educação médica exige à Universidade intensa investigação nas ciências biomédicas, sociais e pedagógicas e estreita colaboração com os serviços sanitários regionais e seus órgãos de planeamento centrais.

As funções e actividades que a sociedade de amanha há-de solicitar aos seus médicos reforçam o papel eminente da Universidade na sua educação. Na realidade, e em- virtude do crescente fenómeno da socialização já referido, não só as ciências sociais, económicas, Administrativas, jurídicas e a própria filosofia terão de incluir-se no arsenal de cultura dos médicos, como também será íntimo o seu contacto profissional com especialistas destas ciências. Educado médica, Ministério da Saúde e Ordem dos Médicos. - Sem serviços sanitários de bom nível, a educação médica é de todo impossível ou fica mais ou menos gravemente prejudicada, visto ser neles que ela é, na maior parte, ministrada. Sem serviços médicos para toda a população, a comunidade está a custear a formação de médicos de cuja competência só parte dela irá beneficiar. Sem condições de trabalho qualificado e justamente remunerado, os médicos esterilizam-se pelo pluriemprego ou fogem pela emigração. Sem uma educação médica autêntica, não pode haver um sistema eficiente de serviços médicos. Sem a definição de uma política de saúde, é impossível adaptar a educação médica ao tipo de serviços médicos que o Estado se propõe facultar à população.

Esties cinco axiomas bastam para que se compreenda não só a íntima relação entre educação médica, serviços de saúde e política de saúde, como ainda, e correlativamente, a necessária intervenção, no planeamento e realização da educação médica, do departamento do Governo responsável por aqueles serviços e por aquela política e das associações médicas profissionais - no caso português, o Ministério da Saúde e Assistência e a Ordem dos Médicos, respectivamente. Educação médica em romano. - É precisamente dos países que realizam uma medicina de melhor nível e cuja educação médica goza justamente de maior prestígio que o ensino médico tradicional tem sido mais severamente criticado, por corresponder a um contexto científico, pedagógico, económico, social e político já extinto. Adequar tal educação a realidade de hoje e, sobretudo, orientá-la pura a sociedade de amanhã cujas características fundamentais se podem já prospectar e, em certa medida, modelar -, é tarefa a que tais países se têm empenhadamente dedicado nos últimos anos. Como fruto desse labor foram e estão sendo continuamente lançadas, ensaiadas ë criticadas inúmeras reformas de diferentes tipos - inclusivamente num mesmo país -, Algumas, dos quais de concepção revolucionária.

Os progressos notáveis, sobretudo a partir do termo da 2.ª Grande Guerra, da física, da química e dos ciências antropológicas e biomédicas; a democratização da cultura, a consciência viva da dignidade da pessoa e da urgência em construir-se uma ordem social segundo a justiça, isto é, de harmonia com os direitos fundamenteis de cada ser humano, o reconhecimento agudo do carácter social da doença em suas causas e consequências, tivesse repercussões importantíssimas na maneira de interpretar a medicina sem seu conceito, função e exercício, o que, naturalmente, pôs radicalmente em causa a filosofia e a praxe do ensino, médico tradicional. E logo se deu conta da solidariedade íntima entre educação médica pré-graduada, pós-graduada e permanente; carreira médica universitária, hospitalar e de saúde pública; medicina preventiva, curativa, reabilitadora e social; investigação biomédica fundamental e aplicada. O planeamento, execução e revisão contínua destas actividades correla cionadas constitui, em termos modernos, uma política de saúde.

Os primeiros frutos das novas 'ideias brotaram, no que respeita a educação médica, em 1952, nos Estados Unidos da América, na Escola Médica da Case Western Reserve. University, que em Outubro último tive a felicidade de visitar. Daí irradiou, para todo o país e além-fronteiras, um amplo e entusiasta movimento transformador, de tal modo que a educação médica foi constituindo um tema da ordem do dia, discutido em publicações de especialidade e de divulgação, em conferências, seminários, mesas-redondas e congressos locais, regionais, nacionais e internacionais, mass media e relatórios oficiais. Fundaram-se e desenvolveram-se numerosas sociedades dedicadas ao estudo dos problemas da educação médica, e em muitas escolas médicas criou-se um departamento autónomo com o mesmo fim. Na Europa os reformas foram surgindo, umas mais inovadoras, mais flexíveis e mais profundas que outras, embora todas orientadas pelos mesmos princípios fundamentais: Suécia, 1959 e 1969; Turquia, 1968; França, 1966 e 1969; Dinamarca, 1967; Espanha e Holanda, 1968; República Federal da Alemanha e República Democrática Alemã, 1969. Na Grã-Bretanha, cada uma das novas escolas médicas criadas no decurso da última década tornou-se um centro experimental de educação médica. Urgência da reforma. - Em Portugal, no- classe médica, no corpo docente das Faculdades de Medicina e também nos seus estudantes, há a convicção generalizada de que se impõe com urgência uma reforma da educação médica. Forem, ao averiguar-se o parecer de cada um sobre o sentido e alcance que deverá ter essa reforma e as medidas concretas que a realizem, observa-se grande diversidade de opiniões.

Essas diferentes atitudes. podem classificar-se em dois grandes grupos, conforme o ponto de vista de que, explícita ou implicitamente, são manifestação: um, de perspectiva tecnocrática, propõe medidas meramente técnicas e predominantemente referidas ao curso geral de Medicina; o outro, situado numa fundamentação antropológica, considera que "a reforma da educação médica, que urge promover em Portugal, antes de ser uma prática, tem de ser uma política, e antes de ser uma política, tem de ser uma filosofia, um entendimento do homem e da sociedade e das suas relações recíprocas". E neste segundo grupo que me incluo, como facilmente se deduz dos princípios que enunciei e perfilhei ao tratar, genérica e sumariamente, da saúde e da educação médica.

6 "Numerus clasus nas Faculdades de Medicina" - J. Pinto Machado. in O Médico, 61, 432. 1971.