lhores do que no Estado. E (possível que em tempos mais ou menos afastados essa situação se tivesse verificado; mas nos últimos tempos as condições muito especiais que oferece o funcionalismo público, com raras excepções de serviços, estabelecem uma corrente em sentido inverso, e ó a empresa privada que está a sentir uma forte drenagem de elementos por si preparados, em benefício das repartições oficiais.

Ë uma questão de dinheiro e é, também, uma questão de condições de trabalho. Senão, vejamos: em benefício da Fazenda, perdi, nos últimos dois anos, dois óptimos colaboradores, que apanhei "em verde", a acabar o liceu, frequentando ainda o 5.° ano. Ensinei-os a trabalhar (coisa que nunca tinham' feito), a escrever (bem) à máquina, a organizar um arquivo, a fazer uma notícia, a escrever razoavelmente português (o que os liceus parecem ser incapazes de fazer). Qualquer deles, ao fim de um ano, ganhava cerca de 4000$ mensais. Trabalhavam à volta de quarenta e duas horas por semana, se havia uma reportagem ou com trabalho extra, faziam-no. Jornalista não tem horário, porque as notícias também o não têm. O mais recente a sair cá de casa entrou para a Fazenda a ganhar mais de 6500$, entra às S horas e 80 minutos, saí às 12 horas e 80 minutos, volta a entrar às 14 horas e 30 minutos e sai às 17 horas, ao sábado à tarde não trabalhai e nem concebe que se possa ter de trabalhar ao domingo. Está mais gordo. Não tem responsabilidades e a única preocupação real que o aflige é a possibilidade de o título mensal poder vir um ou dois dias atrasado.

Ninguém tem culpa de que o jornal pague mal. Um redactor qualificado da revista Noticia ganha 10 contos por mês, do jornal A Província do Angola, sensivelmente o mesmo. Mas são profissionais fraquejados, com muitos anos de - serviço e que ganham o que se considera "bons" (!!!) ordenados. Mais continuemos . . . Numa empresa privada de Carmona, sólida casa que pratica vencimentos considerados geralmente de bom nível para o meio, há dois terceiros-escriturários, rapazes novos, que trabalham como mouros e dão à casa um rendimento real. Têm responsabilidades que, se não cumprirem a preceito, arrastarão, naturalmente, a dispensa do serviço! Um deles tem o 2.° ano comercial, o outro tem parte do 5.° ano dos liceus. Ganham, respectivamente, 8000$ e 5000$ e têm alguns (poucos) benefícios marginais. Mas trabalham, e "no duro". . . Um outro funcionário, responsável por um dos sectores da firma, profissional de escritório competente, homem de confiança, ganha 6000$. É um chefe de família, casado e com filhos. Voltemos à Fazenda, como poderíamos voltar a qualquer serviço público. Um funcionário com os anos de serviço e as qualificações de qualquer deles ganharia no mínimo mais 2 a 3 contos. Sem responsabilidade de maior. Com muito menos trabalho. Sem perigo de receber uma simples carta a dar um ou dois meses para procurar emprego . . . Uma dactilógrafa (ou dactilógrafo) , no Estado, tem apenas de ter a 4.ª classe e entra, em Carmona, a ganhar quase 5000$. E muitas vezes até quase nem sabem dactilografia, têm aqueles horrorosos cursos a martelo, e andam à caça das letras, demoram duas horas para fazer um ofício . . . quando o não têm de deitar fora. Isto, pelo menos, é o que me dizem chefes de secção amigos, que abertamente comentam a fraquíssima qualidade do funcionário recente, isto é, daquele que está a entrar para os serviços nestes últimos anos.

Mas os bancos ... Ah! Os bancos! Pois também os bancos, com a fama de serem bons empregadores, não resistem ao confronto com o Estado. Entra-se com o 5.º ano; o ordenado inicial é de 3600$. O trabalho é duro e de muita responsabilidade. Há uma observação rigorosa do aproveitamento. Ao fim de quatro a cinco anos o funcionário bancário está na letra E (dos bancos), ganha 7200$. Está ao escalão correspondente ao do segundo-oficial de serviços públicos, mas com muito mais responsabilidade geral. E em Carmona, um segundo-oficial ganha em média mais de 8 contos e tem regalias muito apreciáveis . . . Um gerente de agência bancária tem, por contrato de trabalho, um vencimento de 11 350$ ... E muitos ganham isso e nem mais um chavo. Pois é ... são assim os bancos ... a entidade privada que melhor paga.

Mas não é apenas o vencimento que atrai para o Estado, para o serviço público. Entendo que fundamentalmente pesa em tal assunto a combinação quase irresistível de dois factores que contam muito nos tempos que vão correndo: a irresponsabilidade e o lazer. Os funcionários públicos são praticamente irresponsáveis.

A Sr.ª. D. Sinclética Torres: - Não concordo.

O Orador: - Eu estou a falar em relação a Angola.

A Sr.ª D. Sinolética Torres: - Eu queria esclarecer o ilustre colega como funcionária que sou, superior por acaso, que tanto eu como outros funcionários que não são superiores têm tanta responsabilidade como quaisquer outros. Têm processos disciplinares, estão sujeitos a sanções. Se haverá alguns que realmente não cumprem, a culpa é dos chefes e directores que os deixam, não cumprir, não porque não tenham responsabilidades directas no assunto. Como directora, eu sinto-me duplamente responsável pelos serviços que estão a meu cargo. Era só isto que queria dizer.

O Orador: - Então, eu só tenho a lastimar a má qualidade dos chefes, por enfrentarmos situações desta natureza. Não valeria a pena chegarmos a esta conclusão. Uma vez que a temos de atingir, vamos encontrar culpados, que era o que menos desejava: são os chefes!

O Sr. Leal de Oliveira: - Alguns chefes!

O Orador: - Não tenho dúvida, Sr. Deputado.

O Sr. Barreto de Lara: - Não, alguns chefes não. É toda (uma legislação anacrónica e ultrapassada.

O Orador: - Então será a legislação. Eu só estou a frisar e a acentuar uma situação com a qual se pode ou não concordar. Aliás, tenho a impressão que houve uma certa precipitação da ilustre colega na medida em que eu, mais adiante, acentuo exactamente a situação que acatou de relatar. Por isso, só lhe pedia o favor de me escutar até ao fim e na devida altura poderemos fazer os comentários. Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado o favor de não consentir interrupções, porque a hora vai adiantada e o número de oradores inscritos para o período da ordem, do dia é muito longo.