O País esqueceu as horas sombrias, as intrigas políticas, as revoluções, enfim, e viveu durante algum tempo um clima fraternal e pacífico.

O Congresso organizou unia sessão extraordinária em 7 de Novembro de 1922 para homenagear os heróis de regresso "o continente, que, logo em 18 de Abril, aquando da chegada aos penedos, tinham sido propostos para promoção por distinção ao posto imediato pelo Ministro da Marinha, comandante Vítor Hugo de Azevedo Coutinho, um grande e devotado entusiasta da viagem.

Igualmente lhes foi conferida a grã-cruz da Ordem Militar da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito.

Além do Presidente do Congresso, Dr. Pereira Osório, falaram os Senadores Júlio Ribeiro e Tomás de Vilhena e os Deputados Lino Neto, Leonardo Coimbra, Cunha Leal, Sá Cardoso, Viriato da Fonseca e o Ministro da Marinha.

Sacadura Cabral agradeceu em nome de Gago Coutinho e no seu, para o que foi convidado a subir á tribuna.

Penso que tem aqui cabimento, mesmo grande interesse, transcrever passos de alguns dos discursos então pronunciados, pois, dada a existência de partidos políticos de vários matizes, deixa expressiva indicação do carácter nacional que revestiu a genial e empolgante viagem aérea que causou verdadeira admiração em todos os povos civilizados e gerou um ambiente interno de acalmia e caloroso patriotismo.

As transcrições terão de ser bastante reduzidas para me esforçar por não exceder o tempo regimental.

Pereira Osório:

Não podiam os parlamentares do Congresso da República deixar de se associar às gerais e entusiásticas manifestações do povo português, de quem são representantes eleitos, promovendo esta sessão solene em honra exclusiva dos seus bravos e heróicos marinheiros.

E o máximo que o Parlamento vos pode oferecer; nunca ofereceu mais, nem melhor, a quem quer que fosse

Mais adiante, a propósito das autorizações (de crédito para despesas com a viagem) pedidas pelo Ministro da Marinha:

E que tínhamos a consciência da grandeza e alcance da obra que os maiores portugueses dos tempos modernos vinham realizando, desmentindo assim os tímidos, os pessimistas e os velhacos, que diziam estar decadente a raça lusitana pela perda das suas mais lídimas virtudes.

Vejamos agora a influência do vosso glorioso feito no funcionamento das duas Câmaras. Fazem delas parte indivíduos professando as mais variadas ideias, quer políticas, quer religiosas, quer sociais, económicas e financeiras; pois muito bem, apesar disso e do estado de nervosismo resultante das dificuldades da vida, dos atentados sucessivos contra a ordem pública, dos embaraços provocados pela desmedida voracidade dos homens de negócios, etc., o que explica a instabilidade governativa, souberam os parlamentares, em holocausto ao nobre exemplo dado por vós, dominar os seus nervos, que se esgotavam em agitados debates com discussões intermináveis e estéreis, impedindo a solução dos problemas mais instantes para a vida da Nação, e realizar o maior esforço de que rezam os anais do Parlamento.

Seguindo o vosso exemplo de união e trabalho (dirigia-se o Presidente aos dois homenageados), todos se uniram para o bem comum, ensarilhando armas, reduzindo ao mínimo as conveniências e interesses partidários e até fazendo honrosas transigências de princípios e ideias, de que resultou, pela aprovação dos orçamentos, o regresso à vida constitucional de que há anos andávamos afastados.

Foi devido a vós e à vossa extraordinária, quase fabulosa façanha, que o Parlamento pôde realizar, à custa de um esforço esgotante, aquilo que antes do levantamento do vosso altaneiro voo todos julgavam impossível.

Júlio Ribeiro:

Assim, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, na vertigem sublime da morte em holocausto à Pátria e na ânsia de um Portugal maior, mostraram heroicamente, numa audácia genial, que a nossa raça, em querendo, hoje como sempre, se alça acima de todas as civilizações.

Com esse voo assombroso e imortal mostraram ao Mundo que não desmerecemos ainda da grande raça que dobrou o cabo Não, depois do da Boa Esperança, levando a todos os pontos do planeta distintos vestígios da sua passagem.

De ora avante quem quiser ensombrar a bandeira de Portugal há-de primeiro escurecer o Sol!

A realização da empresa a que se abalançaram Gago Coutinho e Sacadura Cabral veio na hora própria - hora de todos os desunimos, hora de todas as desconfianças sobre os destinos da nossa pátria, que já foi tão grande, hora em que os Portugueses começavam a cruzar os braços numa desconsoladora inércia.

E a tal ponto se elevaram esses dois homens que passaram a categoria de seres fabulosos, seres idealizados, seres irreais, que nós substituímos ao Gago Coutinho e Sacadura Cabral de há meia dúzia de meses, como se nos seus corpos velhos os acontecimentos tivessem feito surgir almas novas. E, assim, se a travessia é obra de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, por sua vez os homens que hoje veneramos são obra da travessia.

Mas, senhores, se grande foi o júbilo de Portugal inteiro, não menor foi o do Brasil.

Viu-se então que a designarmo-lo por República irmã mós limitávamos a classificar uma realidade que muito acima dessa classificação se encontra, porque mais do que irmã a pátria, brasileira é a pátria lusitana do Novo Mundo.

Estremeu o Brasil inteiro, e a oração que aqui se ergueu em todas os almas pelo êxito bom da travessia foi lá acompanhada pelos milhares de portugueses que em honrado trabalho ganham a sua vida, pelas centena de milhares de descendentes nossos que continuam a prestigiar e confirmar o carácter lusíada da grande República sul-americana; por toda a população brasileira, enfim.