Quis a adversidade ferir de novo as asas portuguesas, e assim, por avaria técnica num motor, foram obrigados a amarar em pleno oceano, após terem sobrevoado os penedos e já novamente a caminho da ilha, num percurso de 510 milhas.
Era, sem dúvida, uma situação crítica. Salvos por um cargueiro que lhes prestou assistência, depressa esqueceram as horas amargas passadas no isolamento e na solidão dos mares, temendo que o sonho meio completo terminasse em pesadelo derrotaste.
Mas não, assim não foi, pois que em terceiro avião, levado também para Fernando de Noronha, donde partiram a 15 de Junho, fizeram as últimas e definitivas singradouros.
E começou a apoteose. O avião, baptizado com o nome simbólico de Santa Crua, percorrendo Pernambuco, Baía, Porto Seguro, enseada onde Pedro Álvares Cabral aportou ao Brasil, Vitória, chegou, finalmente, às 14 horas e 32 minutos, de 17 de Junho de 1922, ao Rio de Janeiro.
Foi a consagração. Foi a confirmação. Foi. como dissemos, ia apoteose.
Não resistimos a transcrever do relatório do comandante Sacadora Cabral o trecho dia chegada ao Rio de Janeiro. Diz
Salvamos a terra içando a bandeira brasileira. e dando vinte tiros com a pistola de sinais Estava completada a travessia Lisboa-Rio Janeiro!
As maonfiestações com que a cidade do Rio de Janeiro nos acolheu e depois aqmalas de que fomos alvo mas várias cidades que tivemos de visitar são indescritíveis. Era preciso tê-las visto para se Cozer ideia exacta da sua imponência e do carinho em que nos sentámos envolvidos. O Brasil compreendeu que eram irmãos de vaca que tinham realizado a travessia, e como irmãos e âmagos mós tratou Sempre.
Estos palrares contém, paira além do clamor da vitória. o significado político da viagem.
Havia para eles um destino único, o Brasil. Foi este consciente, determinado. Eira ura gesto ida comunidade luso-brasileira, era a aproximação, era um dos mantos impulsos para o maior estreitamento das relações enfare as duas noções de nascimento comum.
Pode-se firmar ainda que A grande travessia aeronáutica de Saoadura Cabral e de Gago Coutinho, que é hoje célebre em todo o Mundo, mas propositadamente ignorada durante algum tempo, é um propositadamente do cominho marítimo para a índia, da descoberta do Brasil, da abertura do Mundo, do início da expansão religiosa, cultural, científica e comercial, através e pana além dos oceanos. Foi sem dúvida a continuidade no século xx do ocorrido nos séculos XV e XVI.
Todas estas manifestações são, como se enunciou anteriormente, uma explosão de qualidades faciais. Todas se baseiam no conhecimento científico da época e N.N. força da alma de um povo.
Mas a ligação Portugal-Brasil tem um significado mais amplo.
Esta viagem poderia no seu aspecto científico ter sido executada para outras paragens. Percorrer o Atlântico poderia ter sido feito para sul, na rota que leva às províncias portuguesas de África. Haveria do mesmo modo longas distâncias a cobrir, largos ares a percorrer. Mas não, ao longo de todo o trabalho de preparação se verificou uma determinação constante em levar Portugal RO Brasil, trazer o Brasil a Portugal, atravessar o Atlântico Sul, demonstrar como ele é pequeno ao pé do espírito lusitano que nos uno. E foi um facto.
E o oceano encurtou-se e Portugal aproximou-se mais do Brasil, e de tal modo que saindo de Lisboa no avião Lusitânia lá chegou no avião Vera Crus.
Foi esta uma das maiores lições que Sacadora Cabral e Gago Coutinho nos deixaram. Olhemos para elas com emoção e com veneração.
Sr. Presidente: Sinto que tenho de acabar. Muito mais haveria a dizer, mas é necessário? Parece bem que não.
Não resisto, porém, a trazer á vossa presença, Srs. Deputados, a recordação de um momento que muito especialmente senti quando há uns anos atrás se comemorava a Primeira Travessia do Atlântico Sul no extinto Centro de Aviação Naval do Bom Sucesso.
Ao longo das palavras evocativas que nessa tarde ouvi, relembrei, sem saber porquê, a minha primeira entrada a bordo do navio escola Sagres.
Ao percorrer com curiosidade natural o navio, reparei na roda do leme e nela vi gravada a dourado a divisa da Marinha.
E se a muitos essa divisa se pode aplicar, talvez com a maior propriedade o podemos dizer em relação aos dois ilustres oficiais, o almirante Gogo Coutinho â o comandante Sacadura Cabral.
Vozes: -Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Meneses Faloio: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A única graça que nos concede a impagável e impiedosa marcha do tempo está na ilusória presunção de que lhe ganharemos dianteira a imaginar o futuro e na consolidara certeza de que podemos contemplar o passado.
Recuar meio século na vida dos nossos dias é pôr os pás em chão movediço e sofrer com a angustiosa busca de conciliação para quantos valores dispersos, mais afastados por teóricas definições e arbitrários conceitos do que por falta de identidade em virtudes imutáveis.
Estamos em 1922. As perturbações da época teriam sido poderoso incitamento para que os homens de uma só fé dessem conta de que o génio não tem nada de comum com a desgraça das lutas fratricidas.
Tão universal como europeu o povo português nunca perdeu o germe da sua grandeza, mesmo fustigado pelas mais violentas convulsões.
Terminada a guerra e ensaiando voos acima dos guerrilhas, muitos portugueses da época procuram isolar, na elevação do amor à Pátria, o desperdício de tanto zelo inconformado e a indisciplina de tonta paixão mesquinha.
Salientaremos hoje duas figuras dessa constância das virtudes nacionais e demo-lhes lugar de honra numa luta pela posição dianteira na corrida aos grandes feitos, quando estes estão mais n» dependência da força do homem do que das forças no seu dispor.
Recordemos um mundo ocidental a ensaiar prodígios técnicos e coloquemos aí o precioso sextante nascido do génio de Gago Coutinho e depois aliado a bravura de Sacadura Cabral.
Sem procurar fora desse ambiente as causas próximas, não deixemos que os historiadores, no preciosismo das sus análises, nos vedem o caminho para causas remotas que hão-de encontrar-se ao longo de oito séculos.
Se hoje já não nos pertence a glória de abrirmos os caminhos mais longos nos mundos deste Mundo, cabe-nos a honra de pioneiros nos lançamentos que exigiram como principal combustível sangue, suor e lágrimas.