Faz hoje 50 anos que dois portugueses consolidaram no penedo de S. Pedro o direito de entrar na história dos Gamas e Cabrais da primeira metade do nosso século.

Se falar deles é tarefa ao alcance - pelo coração de qualquer português que ama a sua pátria e honra os seus maiores, é difícil empresa para quem tem a noção da sua pequenez ao dirigir os sentidos para tão grandes feitos.

Srs. Deputados: Não me atrevo a pedir a V. Ex.ªS atenção para as minhas palavras, mas peço, isso sim, uns minutos de recolhimento para que se revista da maior autenticidade a homenagem que estamos a prestar a Gago Coutinho e Sacadura Cabral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Certo de que o nosso Presidente não se opõe, proponho que os transportemos aqui em espírito, para que nos honrem com a sua presença, tomando assento nesta sala.

Perante eles, em religioso silêncio, saibamos dar-lhes conta, em nome da Nação Portuguesa, da nossa maior gratidão e profundo respeito.

Mas o dia de hoje leva-nos ao penedo de S. Pedro.

Aproveitemos as semanas que ainda faltam para a largada de Fernando de Noronha a caminho do Recife para deixar que os navegadores façam os seus preparativos, enquanto passamos em revista alguns acontecimentos que ficaram para trás.

Lá está Gago Coutinho na guarnição da corveta Afonso do Albuquerque, do couraçado Vasco da Gama, das canhoneiras Limpopo e Douro; a comandar as canhoneiras Sado e Pátria.

Está no seu ambiente, está em família.

Acompanhemos ainda o geógrafo notável África fora, a delimitar fronteiras, a sinalizar soberania, mas sempre com Sacadura Cabral no seu posto, até porque é precisamente Gago Coutinho quem lhe chama prodígio de inteligência, audácia e tenacidade».

A volta é grande e temos de andar depressa. Passemos a S. Tomé e observemos mais de perto os trabalhos do chefe da missão geodésica.

Com os voos que a imaginação consente no espaço e no tempo a qualquer mortal, coloquemo-nos nos dias de hoje, perfilados no extremo norte da ilha, voltados para a Lusitânia.

Eu desafio quem quer que seja a evitar uma forte emoção ao pôr os olhos na razão que substitui os nomes de ilha e canal das Bolas para os consagrar a Gago Coutinho e Sacadura Cabral.

Basta ler a inscrição: «Dos trabalhos geodésicos e astronómicos realizados por Gago Coutinho, conclui-se que o equador geodésico passa neste ponto.

Sente-se um calafrio!

Calafrio que a posição equatorial provoca e depois neutraliza. Razões diferentes.

Mas a emoção vem depois. Quando nos dizem que muitos anos mais tarde a pasmosa revolução científica se deslocou incrèdulamente ao local e verificou que havia um erro: um milésimo de segundo! E haverá mesmo?!

Regressemos a Lisboa e acompanhemos a experiência do sextante na viagem a Madeira.

Discretamente, porque tudo está a ser feito em segredo.

Segredo que não significa avareza, mas discrição, até que os resultados surjam com a segurança dos pergaminhos quinhentistas.

È que não estamos em presença de uma sonhada aventura irrequieta ou temerária. Se há temeridade ela é temperada pela ponderação, peta responsabilidade de homens maduros., com os pés assentes em certezas construídos pela inteligência, pelo estudo, pelo conhecimento científico.

Daí por diante, o que falta em técnica em suprido pela valentia.

Valentia, fenómeno consciente a ditar esta sentença: «se surgisse um muro a barrar a passagem do equador como o antigo Cabo Não, (partiríamos o avião nesse muro para mostrarmos que não se podia ir mais longe».

Mas voltemos a rota do Lusitânia, a primeira com rigor em navegação aérea, e preparem-nos para assistir, em Fernando de Noronha, à largada para o Recife.

Já estamos em terras brasileiras e é oportuno perguntar quais foram as razões determinantes deste rumo.

Talvez se tenha pensado muito vagamente na pátria de Santos Dumonit.

Mas é mais convincente a firme determinação de procurar a força irmanadora do sangue e responder ao chamamento da alma lusitana.

Se é certo que havia de contar a fragilidade da rudimentar aeronave, não é menos certo que sua majestade o Atlântico de há muito tinha aceitado de mais aqueles portugueses o tratamento por tu.

Tal chamamento tinha agora mais calor. Passo a passo, cresce a apoteose. Baía de Toso-os Santos, Porto Seguro, Vitória e Rio de Janeiro.

Estavam reduzidos as dimensões marítimas e ampliado o abraço sideral da fraternidade lusíada.

Espectacular, consciente, heróico e inédito, o grande feito provocou o delírio.

Circunspectos,respeitadores, formalizas, sempre de chapéu na mão perante os grandes, aqueles que ficámos o gravitar em torno dos montes Helmintos, mal escondemos a surpresa perante tanta euforia exteriorizada, com os heróis metidos na roda a arder no fogo de tanto entusiasmo.

Entendemos e tudo explicamos pela juventude dessa nação extraordinária, cheia de vigor, filia ou irmã mais nova, que gosta de se exprimir a cantar.

Nem por isso deixou de reservar aos heróis as mais altas condecorações oficiais.

Mas continuamos a entender que Leonardo Coimbra tenha pedido o silêncio a multidão para que se pudesse ouvir pulsar o coração da Pátria!

E foi esse pulsar que acompanhou a concessão da Ordem Militar da Torre e Espada, da Ordem Militar de Santiago da Espada.

A Europa também se curvou reverente. A França abriu as portas da Sorbone para entrega da Legião de Honra. Honras semelhantes vieram da Bélgica, da Itália e outros países.

Nem por isso é de excluir a ideia de algumas manifestações de despeito aqui ou além.

Não será ainda hoje contestado o legítimo orgulho destas comemorações?

Se assim for, nada é novo para nós, tão afeitos à ingratidão e à hostilidade de quem não merece honras e se afronta com as honras merecidas.

Apetece mesmo recordar os vaticínios de Tomas Ribeiro:

E se alguém menosprezar teu canto pobre, Ri-te do fátuo, que se julga nobre.

Resta concluir que este meio século, agora recheado de tantos prodígios, pode ter deixado depositar a poeira do esquecimento sobre algumas prateleiras que arquivam o registo do extraordinário acontecimento.

Mas nada se apagou no coração de Portugueses e Brasileiros.