minha grande admiração pêlos dois grandes navegadores. Parava na rua respeitosamente quando me cruzava com Gago Coutinho e guardo, como relíquia inestimável, a fotografia de Sacadura Cabral, quando menino, oferecida pela família de sua madrinha de baptismo, fotografia que fiz publicar há já alguns anos numa revista regional.

São as reminiscências da nossa verde infância que aflora ao nosso espírito, com mais nitidez ainda do que os factos depois vividos na adolescência e na idade adulta.

Com que entusiasmo nós acompanhávamos os raids aéreos dos arrojados e bravos aviadores dos anos 20 e 30 e como decorávamos sem esforço os seus nomes e as suas proezas, nesses frágeis aparelhos?

Bastante moço, cometi o atrevimento de convidar, com outros colegas, o major Humberto Cruz a proferir na escola, de cuja associação académica fazia parte, uma palestra sobre a sua viagem Lisboa-Timor-Macau-ïndia-Liboa, ao que ele amavelmente acedeu, fazendo-se acompanhar do malogrado sargento António Lobato, que nela havia tomado parte.

Como todos nos sentimos orgulhosamente bem acompanhados.

Nesta época, a par das obras de Júlio Verne, foram os feitos dos percursos da aviação que mais preenchiam as nossas leituras, na ânsia de aventuras próprias da juventude, nessa bela idade em que sonhamos acordados.

Por isso, como dizia, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul deixou marcas indeléveis nos nossos espíritos e nos nossos corações, como o principal e heróico feito desses geniais portugueses.

A travessia aérea do Atlântico, de Lisboa ao Rio de Janeiro, realizada em 1922 pelo capitão-tenente piloto aviador Artur de Sacadura Freire Cabral e pelo capitão-de-mar-e-guerra Carlos Viegas Gago Coutinho, foi não só um acto de grande destemor, como teve assinalados méritos que a tornaram conhecida em todo o Mundo, que lhe tributou os maiores aplausos. De entre outros, o não menor foi consagração da navegação aérea astronómica transatlântica, primeiramente feita por portugueses e com aparelhos e métodos inventados por portugueses.

Sr. Presidente: Estamos hoje comemorando o 50.° aniversário desta magnífica epopeia. Mais concretamente: a chegada do Lusitânia a terra brasileira do penedo de S. Pedro.

Cumpre-nos registar nesta Casa a efeméride como o maior feito dos Portugueses neste século, mas não podemos ir muito além, sob pena de repetirmos tudo quanto se tem escrito na imprensa dos dois países irmãos ou dito em conferências proferidas nos seus mais recônditos lugares.

Estou certíssimo de que neste momento, mercê da tarefa altamente significativa e patriótica da Comissão Nacional das Comemorações do 50.° Aniversário da Travessia Aérea do Atlântico Sul, a que desveladamente preside um antigo e ilustre membro desta Assembleia, Sr. Almirante Sarmento Rodrigues, nenhum português desconhece as figuras de Gago Coutinho e de Sacadura Cabral, os seus trabalhos, as suas obras, os seus estudos, os seus inventos, a sua acção para o progresso das ciências, em suma, as suas vidas, vividas inteiramente ao serviço da Pátria, que tanto ajudaram a engrandecer.

E se esta viagem constituiu um presente que os dois bravos marinheiros queriam oferecer ao Brasil no ano do centenário da independência, abrindo-lhe os caminhos dos ares numa réplica do descobrimento feito por Pedro Álvares Cabral, em 1500, a recompensa foi calorosa, pois toda a população do Rio de Janeiro se concentrou na Avenida do Rio Branco para os acompanhar em cortejo triunfal e delirantemente os ovacionar.

Mas todas as grandes empresas têm detractores. Conta-nos um dos mais eminentes

biógrafos de Gago Coutinho o seguinte episódio:

Um senador e um deputado, logo no início do raid, não resistiram, o primeiro, a condenar a despesa, dada a penúria dos cofres públicos; o segundo, estranhando que o Governo se associasse a uma simples aventura! Mas as duas vozes foram literalmente abafadas, sem o mais pequeno eco. E o próprio presidente da Câmara, o Dr. Rodrigo Rodrigues, não resistiu em lhe responder, porventura até contra as normas regimentais: - Se não fosse a aventura do Gama, não estava V. Ex.ª aí sentado!

Está reconhecido, porém, que este feito heróico foi um dos maiores serviços prestados à aproximação luso-brasileira. Ele constituiu uma magnífica introdução à visita que o Presidente da República Portuguesa Dr. António José de Almeida fez em Setembro desse ano ao Brasil, a fim de participar nas comemorações do 1.° Centenário da Independência.

E são os feitos desta natureza que mais unem os povos, ávidos de actos de coragem, de valentia, em que os homens se entregam devotada e heroicamente à Pátria.

A partir daí, se não repetimos façanhas semelhantes, continuamos, todavia, a manter acesa, através de alguns abnegados construtores da comunidade, de que o glorioso almirante Gago Coutinho era o símbolo vivo, a chama sagrada das nossas relações permanentes e amigas com o Brasil.

Evocando, pois, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul e os figuras ímpares dos seus participantes, revemos nessa epopeia comum a nação irmã e amiga, a comunidade luso-brasileira e lusíada, que neste ano e neste mês mais fortemente se consolida com a visita do venerando Chefe do Estado, a entrega dos despojos de Pedro IV, primeiro imperador do Brasil, e a ratificação do Tratado sobre a Igualdade de Direitos de Brasileiros em Portugal e de Portugueses no Brasil, que terá lugar no próximo dia 22, Dia da Comunidade luso-brasileiro.

Louvemo-nos por tudo isto.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar a primeira ponte da

Início da discussão da Conta Geral do Estado (metrópole e ultramar) e das contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1970.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Viana Rebelo.

O Sr. Sá Viana Rebelo: - Sr. Presidente- Acabo de me debruçar atentamente sobre a Conta Geral do Estado de 1970, bem como sobre o exaustivo e bem elaborado parecer que se deve aos ilustres Deputados Araújo Correia, Alberto de Meireles, Santos Almeida, Correia da Cunha e Martins da Cruz, a quem presto as minhas homenagens pela clareza e ponderação postas na apreciação de tão árdua matéria.

Desde há dezenas de anos que o princípio que tem presidido aos gastos públicos em face dos orçamentos do Estado é o do cabimento de verba e, sendo assim, naturalmente