quando eles colidam com os interesses de toda a sociedade, que Portugal há-de continuar.

A proposta de lei serve Moçambique e com a sua aprovação beneficiará Portugal inteiro. É dentro desta convicção que a votarei!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Lopes da Cruz: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A oportunidade e vantagem da proposta de lei n.° 19/X, sobre a revisão da Lei Orgânica do Ultramar, está plenamente justificada no seu breve preâmbulo, ao referir-se que se torna «indispensável proceder à revisão das normas que definem o regime geral de governo das províncias ultramarinas, de maneira a ajustá-las ao texto da Constituição Política estabelecido em conformidade com a Lei n.° 3/71, de 16 de Agosto, e ao seu espírito».

O pensamento informador das alterações constitucionais recentes foi o de uma descentralização progressiva, compatível com o estado de desenvolvimento e recursos próprios do cada província ultramarina, qualificadas como regiões autónomas com estatutos próprios, de acordo com a tradição nacional.

Estabeleceram-se também os princípios em que se afirma a unidade da Nação, a integridade da soberania do Estado e a solidariedade entre todas as parcelas do território português:

E se no artigo 185.º da Constituição se determina concretamente em que consiste a autonomia das províncias, no artigo 136.° se consigna em que consistem os laços mantenedores da unidade, fixando-se a competência dos órgãos da soberania da República.

As linhas mestras dos dispositivos constitucionais foram brilhantemente traçadas por S. Ex.ª o Presidente do Conselho, no discurso proferido nesta Câmara em 3 de Dezembro de 1970, no fazer a apresentação da proposto do Governo, do qual não resisto a fazer a seguinte transcrição:

As províncias uLtramarinas carecem de manter uma organização político-administrativa como a que a Constituição lhes assegura: com, leis votadas para cada uma pelos seus órgãos legislativos, com governo privativo que assegure e marcha corrente dia administração pública, com finanças provinciais que permitam custear as despesos locais com as receitas localmente cobradas segundo orçamento elaborado e aprovado pela sua assembleia electiva.

A soberania do Estado uma e indivisivel nem por isso deixará de afirmar-se em todo o território da Nação, através, da supremacia da Constituição e das tais provenientes dos órgãos centrais (onde as províncias aumentarão a sua representação) e da nomeação dos governadores delegados do Governo Central cujos direitos de inspecção e superitendência se mantêm

O Governo central conserva juntamente com os encargos da defesa nacional o dever de zelar pelo respeito dos direitos individuais de todo as elementos da população do ultramar, sem discriminação. A igualdade jurídica de todos os Portugueses bem de corresponder sempre e em todas os lugares a compenetração social. Se localmente se manifestarem algumas tendências de segregação, elas serão inexoràvelmente combatidas pela intervenção do Poder central, caso venha a ser necessário. Não desistiremos da nossa, política de fraternidade racial, não renunciaremos ao nosso intento de prosseguir na formação de sociedades multirraciais não transigiremos quanto a manutenção de um estatuto único para os portugueses de qualquer raça ou de qualquer cor.

Ora, quando nas províncias ultramarinas se teve conhecimento das propostas de alteração à Constituição que directamente lhes diziam respeito, os portugueses lá residentes manifestaram de várias formas a concordância com os novos princípios, a eles tendo aderido plenamente, por corresponderem aos seus mais íntimos anseios e necessidades.

Havia-se perdido um pouco a orientação de descentralização administrativa e da especialidade das leis, que tão justificadas foram a, partir de 1890 por António Enes e Mouzinho de Albuquerque, com a intromissão de fortes tendências assimiladoras, não só na legislação, como na prática corrente, tendo-se caminhado para uma forte centralização.

Mas os novos preceitos constitucionais, qualificando as províncias como regiões autónomas, demonstraram um retorno à política tradicional de descentralização, mais conforme às realidades e às aspirações das populações, e creio que por isto mesmo se manifestou a forte receptividade as novas disposições por parte das gentes radicadas no ultramar.

Surgiu, entretanto, a proposta ora em discussão, à qual foi dada publicidade através dos órgãos da imprensa, e começou a sentir-se nas províncias ultramarinas, em variados sectores, um sentimento de insatisfação perante o articulado proposto, ao contrário do que sucedera com os preceitos constitucionais.

Porque «não seria sã uma unidade que fosse conseguida, não por acordo de vontade obtido na harmonia dos interesses, mas pelo espartilhamento esforçado segundo figurinos abstractamente traçados», no expressivo dizer do Sr. Presidente do Conselho, transcrito no parecer da Câmara Corporativa, interessa analisar possíveis razões para o descontentamento surgido, e se há motivos para que assim tenha sucedido.

Há que perguntar-se se a economia da proposta está harmónica com as directrizes constitucionais e os princípios várias vezes indicados pelo Sr. Presidente do Conselho.

No parecer da Câmara Corporativa faz-se a distinção entre descentralização em sentido lato, comummente designada por autonomia, a qual tem de específico o poder de legislar, e descentralização em sentido restrito, normalmente designada por autárquica, própria dos municípios, que invoca a ideia de que uma colectividade territorial, embora englobada em outra mais vasta, se administra a si própria.

E acrescenta-se ainda que «o poder de administrar em geral e, em especial, o de dispor das próprias receitas, afectando-as às suas despesas, são poderes autárquicos, os quais, em regra, cabem a qualquer ente público».