Caberia recordar aqui o que António Enes, num dos seus relatórios sobre Moçambique, referia:

O regime das relações entre o Governo Central e o provincial «precisa de ser alterado e alterado em dois sentidos:

Ampliando-se a esfera da acção ordinária- e legal deste último e restringindo-lhe a esfera de acção extraordinária e ilegal, porque em Moçambique é que se há-de governar Moçambique.

E, com a experiência que os homens têm das situações, não entendo como se teima em contrariá-lo há todo um aspecto de conjunto a acautelar, todos o sabemos; mas o objectivo será conseguido com os processos que se adoptam?

Uma nação não é uma construção teórica, tem de ser uma realidade viva», afirmação tão exacta aqui produzida pelo Sr. Deputado Themudo Barata há pouco tempo ainda.

Feliz pelo quanto encera de autêntica, de actual, não me canso de repetir: «uma nação não é uma construção teórica, tem de ser uma realidade vivo».

Assim, pela proposta, o Governo Central continua, efectivamente a dispor dos mais amplos poderes legislativos e executivos, sem prejuízo idos que competem ao Ministério do Ultramar, que continua, a superintender da forma, mas lata no todo da administração publica dos províncias ultramarinas. Os governadores, com mandato por quatro anos, revogável a todo o tempo, continuam a ser nomeados sob proposta do Ministro do Ultramar. Detém a mesma competência legislativa.

O conselho legislativo altera a designação para assembleia legislativa e continua a não dispor de competência para fiscalizar o executivo. O chefe da assembleia legislativa, será o governador-geral, como acontecia anteriormente com o conselho legislativo.

A assembleia legislativa terá composição a fixar pelo estatuto político-administrativo de cada província, mas será de admitir que se mantenha como o actual conselho.

O conselho de governo será composto pelos secretários provinciais e pelo procurador da, República, podendo, por convite, participar mas suas reuniões o comandante-chefe das forças amuadas e o comandante da Marinha.

No respeitante à ordem social e económica, e ainda às regras respeitantes à administração financeira, predomina a ascendência do Poder Central e estão dentro da disciplina que domina todo o documento.

São estes, em traços gerais, os aspectos mais salientes da proposta em apreço.

Uma integração bem entendida de todas as parcelas no todo português exige que caída uma nele se insira de acordo com as suas próprias feições geográficas, económicas e sociais. Não seria sã uma unidade que mão fosse conseguida por «condo de vontades, obtido ora harmonia dos interesses, mas pelo espartilhamento forçado, segundo figurinos abstractamente traçados. A unidade nacional não prescinde das variedades regionais.

Afirmações do Sr. Prof. Marcelo Caetano e conservadas no ultramar como um desejo autêntico de atender os suas necessidades, tendo em conta os variados aspectos regionais, tendo em vista sempre a unidade nacional.

Acautela a proposta os aspectos regionais na sua totalidade, já não digo, mas na sua maior parte? Há uma preocupação, a de manter a unidade nacional, mas esta é a preocupação que domina todo o ultramar, que não concebe outra forma de vida senão aquela que o mantenha dentro da noção portuguesa.

Repito aqui o que, ao terminar a minha intervenção sobre a proposta da revisão constitucional, no ano passado dizia:

Temos de nos acautelar cora quem pretende - em certos casos, admitamo-lo, de boa fé - substituir a prudência firme do que é razoável, digno e exequível, pelo gosto de criar fantasmas.

Os tempos não são para tais delírios [...]

Perguntar-se-á, então, qual seria o desejo do ultramar.

Referirei o que sinto pelo que muitos sentem em Angola, de cujo círculo faço parte: Aspiramos a novos e amplos saltos em frente, e, dadas as infra-estruturas de que An- gola. já dispõe e as suas potencialidades económicas e humanas, temos possibilidades de o realizai' se, entretanto, conseguirmos vencer as imensas dificuldades com que se debate, como consequência da execução do Decreto-Lei n.° 478/71, que promulgou e lhe impôs o seu novo regime de pagamentos.

Só poderá, porém, realizá-lo se a orientação e a decisão dos problemas específicos mais importantes de todos os seus sectores de actividade couber exclusivamente a quem ocupar os cargos de Governo na própria província, pois eles só podem ser orientados e resolvidos, com saber, clarividência e oportunidade, pela intervenção de quem os viver no dia-a-dia do seu processamento.

E isto apenas acontecerá se esta Assembleia introduzir alterações no texto proposto pelo Governo para a nova Lei Orgânica do Ultramar, uma vez que nele persiste a ideia de continuar a impor, nos dias de hoje e para o próximo futuro, a prevalência de órgãos de Governo com sede na metrópole sobre os das províncias ultramarinos na decisão dos seus problemas específicos e peculiares mais importantes, mesmo quando só a elas respeitam directamente.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinto Balsemão: - Sr. Presidente: Apesar de ter visitado quatro vezes Angola e Moçambique e de já ter estado em Macau, S. Tomé, Guiné e Cabo Verde, reconheço que, quanto mais viajo pelo ultramar, melhor tomo consciência da diversidade e dificuldade dos seus problemas.

Basta pensar, por exemplo, em Angola pana se reconhecer a impossibilidade de apreender, com segurança e plenitude, em estadas sempre curtas, por mais demoradas que sejam, uma realidade complexa e em constante mutação. Território imenso e rico, custa a crer que não disponha de meios para pagar as suas dívidas à metrópole (já que, nas. contas com o estrangeiro, são positivos os saldos das rubricas «mercadorias» e «invisíveis»). Território de fraca densidade populacional, custa a crer que tenha sido inviável povoá-lo com os muitos milhares de metropolitanos que, na década de 30, partiram para a Europa.

Território, não obstante, habitado e governado por pessoas de altas qualidades, custa a crer que, numa das reuniões do seu Conselho Legislativo, em Novembro passado, o vogal Venâncio Guimarães, representante das associações económicas, tenha tido de afirmar, a .propósito da recente legislação sobre pagamentos interterritoriais:

Sentimos que nos consideram irresponsáveis e incapazes de participar na escolha dos caminhos que se nos impõe trilhar, em termos de bem defendermos