Considerando-o, porém, no plano da estrita filosofia política, a luz da problemática da constituição do Poder e da luta por esse mesmo Poder, à luz da função e dos deveres do Estado, poderá o pluralismo ser julgado como um princípio intangível e uma norma suprema de toda a acção política?

Se o pluralismo se funda numa filosofia ecléctica que «testemunha a vontade de considerar como válido todo o real e de aceitar, a este título, todos os riscos da liberdade», tem de se concluir que o pluralismo implica um cabal relativismo de valores, conduzindo a um regime de poder aberto que é, por definição, «uma promessa oferecida a todas as concepções da ordem social que se possa desejar». E assim se engendram as contradições e os vícios do Estado pluralista, contradições e vícios que um mestre da ciência política como o Prof. Georges Burdeau resume nestas palavras:

E um Estado que se pretende instrumento de paz, pois que se reclama da coexistência das boas vontades e da harmonização dos esforços; ora, de facto, não vive senão da luta, ora aberta, ora dissimulada, das facções. É um Estado que tem por objectivo reforçar o Poder, dando-lhe como base a sociedade inteira; ora, praticamente não conhece senão uma autoridade oficial enfraquecida pela concorrência dos poderes de facto, esfarrapada pelas suas exigências, quando não colonizada por eles. E um Estado que tende a assegurar ao máximo a coincidência entre a vontade dos governos e a dos governados, a realizar praticamente, portanto, o governo do povo pelo povo; e, no entanto, o povo encontra-se aí incapaz de governar, paralisado como está pela abundância e a contradição das suas vontades [. . .] O Estado pluralista desemboca então neste paradoxo de ser o Regime que, oferecendo a todas as exigências sociais a possibilidade de ser ouvidas, é igualmente aquele em que elas têm o mínimo de oportunidades de ser escutadas. Nenhuma autoridade é capaz de estabelecer entre elas uma hierarquia. As reivindicações empurram-se e neutralizam-se umas as outras. (Cf. Georges Burdeau, L'Êtat, Paris, 1970, pp. 133 e 136.)

Quer dizer: o Estado estritamente pluralista condena-se à inconsistência doutrinária, à dispersão das energias políticos, às hesitações e, não raro, à paralisia do Poder.

Conhecendo bem as contradições e os limites do pluralismo político, mas consciente também dos seus irrecusáveis aspectos positivos e da sua intenção generosa de moldar um mundo onde homens diferentes possam conviver, o Prof. Marcelo Caetano recorda neste seu discurso uma afirmação proferida no seu discurso de posse:

O desejo sinceríssimo de um regime em que caibam todos os portugueses de boa vontade não pode, pois, ser confundido com cepticismo ideológico ou tibieza na decisão.

Um chefe de Governo não pode, com efeito, manifestar hesitações na afirmação dos princípios doutrinários que o guiam, na escolha dos objectivos a atingir, na articulação desses princípios com a prática política quotidiana. Tais hesitações repercutem-se imediatamente nos que o rodeiam e o servem, gerando-se uma atmosfera de incerteza e confusão em que se debilitam as vontades, fermentam as atitudes ambíguas e medram os oportunismos. Algumas vezes, este oportunismo adopta o pseudónimo de «centrismo» (o que não significa que o centrismo seja sempre

e necessariamente uma atitude política oportunista). Então, centrismo equivale a esvaziamento doutrinário, a proteiforme posição de uma geometria política definida por ambições e interesses materiais, a disponibilidade para servir diversos amos e senhores.

No seu discurso, após ter traçado uma expressiva síntese das ameaças e arremetidos revolucionárias que vão corroendo as estruturas vitais da Nação portuguesa, pergunta o Prof. Marcelo Caetano: «Que há-de fazer o Governo?» Pois não é difícil a resposta: o Governo, conhecendo bem as dimensões e o significado da ameaça revolucionária, sabendo que, nessa luta, conta com o apoio da esmagadora maioria da Nação . . .

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... o Governo não pode reservar para si o papel de árbitro que apenas zela pelo cumprimento das regras de um jogo, numa atitude de descompromisso ou de relativismo perante os valores e os agentes em confrontação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pela filosofia política em que se inspira, pelo ordenamento jurídico-político do Estado, pela situação de guerra em que o País vive, pelas características que assume a ofensiva revolucionária, o Governo, sob pena de trair a Nação, não podia deixar de fazer a escolha que o seu Chefe assim sintetizou: «liberdade sem anarquia, progresso sem desequilíbrio- justiça social sem revolução».

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - E disse mais o Sr. Presidente do Conselho:

Prefiro, aliás, ser conservador a ser inconsciente ou ingénuo. A correr atras dos foguetes que os adversários da ordem social lancem ao ar de cada vez que julgam poder marcar um ponto na sua obra de desagregação e de demolição. E a ficar na história como o homem que não percebeu os perigos do seu tempo e as armadilhas dos seus adversários.

Impõe-se que entre a doutrina- assim categoricamente afirmada pelo Sr. Presidente do Conselho e a prática politico-administrativa da governação pública se verifique efectiva consonância, sob pena de nefastas consequências dificilmente previsíveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O próprio Prof. Marcelo Caetano reconheceu a existência de anomalias e falhas graves neste domínio, ao verberar os que quase têm «pudor (palavra que aqui deve funcionar como eufemismo) de aplicar sanções ou de usa? os meios normais de reprimir ou contrariar as manobras de perturbação ou de obstrução da vida das instituições». Como se uma das mais prontos formas de corrupção da autoridade não consistisse precisamente em exaltar em teoria a autoridade, para depois a esfarrapar e trair, quotidianamente, ante as exigências da acção. . .

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Poderia alargar-me na análise deste problema, mas entendo que não é oportuno. Não posso, porém, furtar-me a um comentário, ainda que ligeiro, a algumas palavras do Sr. Presidente do Conselho relacionadas com esta matéria. Ao referir-se às minorias auda-