O Sr. Castelino e Alvim: - Sr. Presidente: Ao ser presente à Comissão de Política e Administração Geral e Local a proposta da lei sobre registo nacional de identificação, três tarefas prévias se impunham antes da análise do articulado da proposta.

Havia que verificar:

1.º Se a proposta tinha natureza condizente com a função legislativa do órgão a que se dirigia;

2.° A oportunidade da proposta;

3.° A vantagem da mesma.

No que se refere à natureza da proposta, uma apressada leitura da mesma poderia levar à eirada conclusão que o seu carácter seria mais regulamentar que legal, não sendo a Assembleia Nacional o órgão próprio para a sua apreciação e discussão, na medida em que à Assembleia Nacional apenas deve caber a regulamentação de princípios que permitam a presunção da proposta de lei em apreciação vir a gozar de relativa estabilidade, sem ser sujeita a contingências de alterações devidas a circunstâncias facilmente mutáveis.

Julga a Comissão ser a matéria não só condizente com a função e dignidade do Órgão a que se dirige, como ter implicações que exigem a sua apreciação por esta Câmara.

No que concerne às vantagens que a aprovação do registo nacional de identificação poderá trazer, não restem a esta Comissão igualmente dúvidas de que o mesmo permitirá:

1.° Uma rápida e exacta troca de informações entre os vários sectores da administração pública;

2.º Ter em dia, e em coda momento, os diversos registos de identificação pessoal;

3.° Economizar aos cidadãos a ingente tarefa de, em cada dia, terem que facultar à Administração elementos, provas e documentos que figuram em qualquer dos seus registos;

4.° Dar rápida resposta à solicitação de dados estatísticos, constantemente necessários para efeitos de planeamento;

5.° No que toca à «oportunidade» da proposta, julga igualmente esta Comissão não haver lugar para quaisquer dúvidas.

Efectivamente, e parafraseando Jules Vandendries, em exposição feita sobre esta mesma matéria à Comissão da Função Pública do Senado Belga, também poderemos dizer que «l'ère des dossiers papier est dépassé et aussi l'ère des cartes perforées. Nous sommes à l'ère des ordinateurs».

Entende mesmo a Comissão de Política e Administração Geral e Local ser de louvar o desejo muito vivo de actualização da vida e dos serviços públicos, que está na base desta proposta, perfeitamente condizentes com as necessidades dos nossos dias e com a modernização que aos mesmos serviços se impõe.

Ao ser anunciada a criação de um registo nacional de identificação, afirmou o Sr. Ministro da Justiça que «a técnica não se opõe necessariamente aos valores do espirito, e os progressos que alcança, quanto mais grandiosos, tanto melhor assinalam a verdadeira dimensão do homem».

Mas se a técnica não se opõe, «necessàriamente», aos valores do espírito, algumas vezes faculta ao ho mem possibilidades maiores do que nunca de contraditar tais valores.

Porque a Comissão teve tal pensamento na maior atenção, julgou não se dever escusar a procurar uma resposta para três pontos que pareceu essencial considerar antes de se entrar na apreciação do articulado da proposta de lei:

1.º Arrasta a atribuição de um número de identificação individual a uma despersonalização do indivíduo?

2.° Poderá haver quebra da intimidade da vida privada pela simples composição do código pessoal com base em elementos estáveis de identificação?

3.° Quais os limites da informação e qual a segurança dos cidadãos, no que concerne aos utilizadores ou aos beneficiários da comunicação?

Analisando, ainda que com brevidade, o primeiro ponto - despersonalização do indivíduo -, não pôde deixar de chegar à conclusão que a mera atribuição de um número, em si mesmo, não significa, como não conduz, a qualquer despersonalização do indivíduo.

O número de registo deve ser estabelecido em favor do indivíduo.

O centro de todo o processo é a pessoa e não o número. O número não paga a pessoa, mas tão-sòmente é estabelecido para servir a pessoa.

O número não pode mesmo servir para apagar a pessoa entre a colectividade, mas para servir melhor a pessoa na colectividade em que se integra, facilitando a vida da pessoa, permitindo uma melhor organização da colectividade.

Apreciando o segundo pombo sobre que pareceu essencial debruçar a atenção, havia que considerar se poderá haver quebra da intimidade de vida privada pela simples composição do código pessoal, com base em elementos estáveis e significativos de identificação.

A resposta a cita pergunta não só oferece uma certa dificuldade, em si mesma, como fica em grande parte condicionada pelo tratamento que o legislador venha a dar àquela que se inscreveu em terceiro lugar.

Se o facto do dia, mês ou ano de nascimento ser fàcilmente aferível pela composição do código pessoal, pode chocar algumas sensibilidades, julga-se que não viola a intimidade da vida privada de quem tenha que exibir o número que possui.

Considera, porém, a Comissão que na composição desse código não poderão entrar quaisquer factores que levem à revelação automática de características ou situações do seu portador que, em face da lei, como da moral, pertençam ao seu foro íntimo.

Resta apreciar a última questão apresentada e que respeita aos limites da informação e a segurança dos cidadãos, no que concerne aos utilizadores ou beneficiários da informação.

Por se tratar de um ponto fulcral, que toca nas garantias e direitos individuais do cidadão, crê a Comissão que não pode satisfaz er a afirmação de que tais pontos serão objecto de regulamentação posterior.

Há que deixar consignados na presente lei os princípios que devem informar, quer os limites da informação, quer a confidencialidade da mesma.

Quanto aos limites da informação, ou seja, quanto à extensão do que pode registar a banda magnética, entende-se que apenas daí poderão constar os elementos de identificação civil da pessoa como indivíduo e como cidadão, com total abstenção de elementos reservados ao seu fero íntimo, nu derivados de quaisquer critérios subjectivos de apreciação da administração.

Igualmente deverá ficar impedido o registo de quaisquer elementos pertencentes ao foro íntimo do cidadão, ainda