interregno, terem surgido novos factos e perspectivas, que vieram deteriolá-la.

Embora seja grande a tentação de deixar as coisas correr o seu destino, poupando tempo e energias que, talvez com maior proveito, podiam ser empregues noutro labor, a consciência das minhas responsabilidades perante aqueles que me constituíram seu mandatário nesta Assembleia impõe-me um último esforço, na expectativa de ser ainda possível encontrar vias de solução adequadas a gravidade e delicadeza dos problemas que os preocupam.

Tentarei, antes de mais, definir a justa posição do distrito, no contexto metropolitano, em matéria de saúde pública. Porventura evitarei, assim, alguns juízos menos correctos acerca da razão de ser das minhas palavras.

Pois bem. Se a metrópole ocupa, infelizmente, uma das piores posições no xadrez dos países europeus quanto à situação sanitária dos respectivos povos, Ponta Delgada, no conjunto dos vinte e dois distritos do continente e ilhas, escalonados por ordem decrescente do valor que estamos considerando, situava-se em 1960 no 16.° lugar e em 1970 no 18.° Em piores condições só ficaram neste último ano Porto, Braga, Bragança e Vila Real.

Mas se atendermos no modo como evoluíram, em cada caso, os indicadores correntemente utilizados neste tipo de análise, verifica-se que entre 1960 e 1970 o Ponto melhorou de posição, Bragança e Vila Real mantiveram as que tinham e só Braga acompanhou Ponta Delgada na descida de dois lugares da escala. A manter-se o mesmo ritmo, o meu distrato será, dentro de pouco tempo, se o não foi já hoje, o pior da metrópole.

De resto, o estudo das taxas de mortalidade só por si permite concluir que a nível metropolitano «existem situações particularmente graves nos distritos de Vila Real, Braga e Bragança, no continente, e nos do Funchal e Ponta Delgada, nas ilhas», denotando a pior situação sócio-económica dos respectivas populações e a sua deficiente cobertura médico-sanitária.

Este último aspecto é cruciante no panorama das carências insulares.

Sabemos bem que o Pais não tem abundância de médicos. Com o índice, em 1970, de 1100 habitantes por cada profissional, também estamos, neste particular, num dos piores lugares à escala europeia.

Ainda assim não seria grande o mal, se houvesse uma distribuição mais uniforme dos recursos disponíveis. As disparidades, porém, são gritante e altamente lesivas do bem-estar da comunidade nacional.

Os distritos de Lisboa, Porto e Coimbra, com um terço da população metropolitana, têm a- servi-los dois terços dos médicos recenseados naquele ano. Em números mais exactos, 65 por cento dos habitantes do País só podem dispor de 29 por cento daqueles profissionais.

Na área metropolitana estão em piores condições de cobertura sanitária as sub-regiões do interior, a região sul e os alhos, como era de supor. Quanto a estas, há 3000 habitantes por médico, em valores globais, índice que também esconde assimetrias muito gra cotados: de uma só assentada, dois cirurgiões e o seu único otorrinolaringologista.

Sabe-se bem quanto pesam as doenças do foro otorrinolarinlógico nos nossos índices de mortalidade.

Em Portugal, ao contrário do que sucede no Testo da Europa, a otite média e a mastoidite ainda estão entre as principais causas de morte no conjunto das crianças com idades abaixo de um ano. Por outro lado, a nefrosclerose e a cordiopatia crónica reumatismal continuam incluídas, no obituário nacional, entre as dez principais causas de morte em quase todos os grupos etários, ao contrário do que sucede nos outros países .europeus. Essas doenças são geralmente sequelas tardias de infecções sofridas na infância, localizadas a maior parte das vezes na naso-faringe, e sem a intervenção, a tempo, do otorrinolaringologista não é possível dominá-las em termos que nos aproximem das taxas de mortalidade nas nações evoluídas.

Isto leva-me a dizer, sem receio de contestação, que, se o único especialista de Ponta Delgada for enviado para o ultramar e não foi substituído, haverá, por esse motivo, mais baixas entre a população do distrito, a curto e longo prazos, do que as provocadas entre os militares daquela naturalidade em postos de combate num período de dois anos.

Já no caso dos dois cirurgiões é deveras preocupante a situação que vai resultar da sua longa ausência, especialmente para os de mais débeis recursos, unia vez que só um daqueles especialistas presta serviço no hospital. Para os que não têm possibilidades de escolha, pouco adianta que seja simultânea ou sucessiva a nomeação dos médicos em referência. De qualquer modo, será sempre preferível a segunda alternativa, até porque a partir dela pode vir a estabelecer-se uma solução de compromisso que, minimizando prejuízos pessoais, também aproveite à colectividade.

Mas quanto ao otorrinolaringologista, atendendo a que é único numa população de 160 000 habitantes, isolada no meio do Atlântico, tud o me leva a insistir nas graves consequências da sua mobilização, se o Governo continuar alheado do problema. Adiá-lo, simplesmente, não resolve nada.

A Lei Militar vigente foi feita no interesse da comunidade nacional. A sua interpretação não pode dissociar-se do espírito que a informou; mas, se bem a entendo, o caso presente nem sequer lhe foge à letra. O n.° 9 do artigo 47.° da Lei n.º 2/70 diz textualmente o seguinte:

Em tempo de guerra ou de emergência podem ser dispensados de convocação os indivíduos que exerçam funções consideradas, em diploma especial, indispensáveis ao funcionamento de serviços públicos essenciais ou de actividades privadas imprescindíveis a vida da Nação ou as necessidades das forças armadas, ficando, porém, sujeitos às leis militares enquanto não for desmobilizada a classe a que pertençam.

Não sou muito entendido em terminologia jurídica; mas um hospital como o de Ponta Delgada, situado num distrito sobrepovoado que dista 1500 km de Lisboa, não