honra de subscrever e apenas foi debatido na generalidade - introduzia-se um artigo, 23.º -A, que preconizava a organização por lei da rádio e da televisão com os objectivos de comunicação entre todos os portugueses, de objectividade de informação e de prioridade dos programas educativos.

Não quis, mais uma vez, a maioria aceitar uma proposta daqueles que ela própria erigiu em minoria. Na revisão de 1971 apenas foi possível enxertar ao artigo 23.º da Constituição um parágrafo que se limita a reconhecer que a rádio e a televisão exercem função de carácter público.

Temos assim que o texto constitucional discrimina entre imprensa, por um lado, e rádio e televisão, pelo outro. Enquanto, relativamente à imprensa, impõe a promulgação de uma lei que «defina os direitos e os deveres, quer das empresas, quer dos profissionais do jornalismo, por forma a salvaguardar a independência e dignidade de umas e outros», já, no que respeita à rádio e à televisão, se refugia na afirm ação ambígua e sem consequências do carácter público da função por elas exercida.

Esta discriminação é obsoleta, injusta e perniciosa.

Obsoleta, porque se recusa a entender e assimilar o progresso tecnológico. Tudo continua a passar-se como se a imprensa estivesse isolada no campo dos meios de comunicação de massa e, condescendentemente, com muito boa vontade, se admitisse que a rádio e a televisão começam a dar os primeiros passos. Ora, todos sabemos que não é assim: a rádio e a televisão atingiram a maioridade; quando muito, serão outros meios - as video-cassettes, a televisão por cabo, etc. - que ainda estarão na adolescência. Injusta, precisamente, porque quem chegou à idade adulta deve ter direitos iguais aos que antes a alcançaram. Não há, por isso, razão para que a rádio e a televisão sejam tratadas como irmãs enjeitadas e incapazes da imprensa. Perniciosa, porque a televisão e a rádio poderiam desempenhar um papel essencial na aceleração do desenvolvimento sócio-cultural do País. Não tenhamos dúvidas - eu pelo menos não as tenho - de que, actualmente, salvo raríssimas excepções, não o desempenham.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em Portugal, em plena década de 70, a rádio e a televisão são, portanto, obsoleta, injusta e perniciosamente segregadas. Não há lei, não há responsabilidades, não há direitos, não há deveres. Suspendem-se programas - ainda há pouco isso sucedeu com a Página 1 e o Tempo Zip -, forçam-se profissionais ao desemprego, seleccionam-se notícias em obediência a critérios parciais, aliena-se a juventude através da violência, dos tiros, do sangue, forja-se a «cultura» segundo o que mais- convém a certos interesses, lava-se o cérebro de pessoas que não têm culpa de ser subdesenvolvidas.

Tudo isto se passa diariamente, com relativo, com quase total desconhecimento dos alvejados e atingidos. Será lugar-comum dizer que a televisão e a rádio entram na nossa casa, penetram no nosso quotidiano, devassam a nossa intimidade; todos o sabemos, todos o afirmamos, todos nos queixamos. Mas poucas vezes nos damos efectivamente conta dos seus efeitos nefastos. E, menos vezes ainda, reflectimos sobre a função maravilhosa que poderiam cumprir na nossa vida.

Entretanto, os nossos filhos, as nossas- famílias, nós próprios, continuamos a ser poluídos. A televisão e a rádio singram, sem lei e sem roque, sem disciplina interna e sem liberdade de expressão.

É contra este estado de coisas que me insurjo. Há em Portugal profissionais da rádio e cia televisão preparados, prontos a ocupar os lugares que lhes pertencem.

Mas que garantias lhes são prestadas, de que direitos usufruem? Há em Portugal profissionais competentes dispostos a uma entrega permanente. Mas que oportunidades lhes são dadas, que ocasiões têm de fazer o trabalho que lhes interessa? Fia em Portugal profissionais à espera, há muito, há demasiado tempo, de uma aberta, de um entendimento. Mas que força têm perante os interesses comerciais ou políticos dos que os contratam?

A imprecisão em que se vive neste sector provoca pressões, insegurança, arbitrariedades. Impõe-se que a actividade radiofónica e televisiva seja juridicamente disciplinada.

Por agora limito-me a enunciar os seis princípios gerais em que, quanto a mim, deverão assentar a lei da rádio e a lei da televisão:

1.º Livro expressão do pensamento;

2.º Livre concorrência;

3.º Livre acesso (num triplo aspecto: autogoverno, controle externo u o chamado «direito de antena activo»);

5.º Direito de captar emissões estrangeiras;

6.º Regulamentação do exercício da profissão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A concepção que defendo de uma sociedade portuguesa democrática e participada implica a utilização pluralista da rádio e da televisão. Isso só será possível através de leis que adoptem, pelo menos, os seis princípios indicados.

Enquanto durarem as dificuldades de concessão de emissoras de rádio e continuar o monopólio da RTP, enquanto não houver permanente acesso à televisão e à rádio tanto para informar como para ser informado, enquanto os programas forem encolhidos de acordo com critérios puramente comerciais ou defensores apenas do modo de ver de uma corrente política, enquanto os bons profissionais tiverem de trabalhar lado a lado com os oportunistas, enquanto persistirem as várias censuras internas e externas - não poderemos esperar que a rádio e a televisão desempenhem a missão que lhes compete perante a comunidade.

Vozes: -Muito bem!