Falei também daquilo que se não cumpre, apesar de programado e votado na Lei de Meios, das indecisões e das decisões sempre adiadas.

Vou dar dois exemplos concretos.

Quero, em primeiro lugar, referir-mo à atitude adoptada perante o movimento especulativo a que vimos assistindo - e o que impressiona é a passividade espectadora - no mercado imobiliário e mobiliário. As pequenas poupanças não são protegidas.

Toda a economia corre o risco - que outras economias não suportaram - de uma súbita quebra- no mercado de acções. Não parece que a inflação exista e se amplie apenas noutros sectores. Fazem-se rápida e facilmente fortunas e aparecem novos "senhores" da economia nacional nascidos a sombra e por obra dessa "não intervenção".

Pergunto: a ninguém ocorreu que obrigando a transferir ou efectuar, ao menos parcialmente (digo parcialmente por parecer que deverão ser igualmente acautelados os legítimos interesses da banca que não pode, nem pode a economia nacional, suportar uma corrida aos- depósitos à ordem), os depósitos correspondentes a cada emissão no Banco de Portugal, não só o Estado poderia ter recolhido meios do pagamento como teria evitado a criação de moeda que veio a verificar-se perante os empréstimos que a banca efectuou (sem riscos, porquanto nada saía dos seus cofres) para ocorrer as emissões, mais prejudicando as condições de desfavor em que a pequena poupança concorria?

Não teria sido possível exigir a identificação rigorosa dos abscritores, por forma a evitar o recurso ã nomes supostos, filhos menores, etc., etc.?

Não teria sido mais útil fixar um critério de rateio rigorosamente proporcional, com sorteio público dentro de cada grupo excessivamente coberto?

E estas medidas simples, ou outras de maior imaginação, não teriam permitido uma moralização do merendo?

Por que não se tomaram (estas ou outras) quaisquer medidas?

O Sr. Almeida Garrett: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Almeida Garrett: - Eu estou a ouvir V. Ex.ª com o maior dos interesses, como é meu costume.

O Orador: - Muito obrigado.

O Sr. Almeida Garrett: - Apraz-me dizer-lhe que, com a generalidade das afirmações de V. Ex.ª, estou inteiramente de acordo.

Queria, apenas, neste momento, trazer uma pequena achega, que não uma crítica, os considerações de V. Ex.ª

Estou de acordo com V. Ex.ª em que o panorama a que se assiste no campo das transacções de valores mobiliários, refiro-me expressamente ao problema das acções, é um panorama que não aproveita a ninguém.

O Orador: - Exacto!

O Sr. Almeida Garrett: - Não aproveita à economia nacional.

O Orador: - Com certeza!

O Sr. Almeida Garrett: - E não aproveita, sequer, aos institutos de créditos aos quais muitas vezes é assacada.

O Sr. Roboredo e Silva: - Dá-me licença? Aproveitará apenas a meia dúzia de pessoas privilegiadas.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Almeida Garrett: - Aproveita, decerto, à criação de um clima especulativo altamente indesejável, que é o clima que permite a criação de uma legião, chamamos-lhe assim, de um grupo, cada vez mais numeroso, de especuladores que, como V. Ex.ª sabe tão bem como eu, têm até já os seus escritórios montados.

O Orador: - Certo!

O Sr. Almeida Garrett: - E são esses mesmos que, de subscrição em subscrição, levam fundos que têm, fundos que não têm, eu seria tentado a dizer: sobretudo fundos que não têm . . .

O Orador: - Especialmente!

O Sr. Almeida Garrett: - ... e, portanto, arriscando, com o dinheiro da outrem, de nutrem, que não quereria, normalmente, embarcar nessa espécie de operações e riscos, arriscando somas que de outro modo seriam, e deveriam, ser, encaminhadas pelos perfeitos canais financeiros para subscrições de empreendimentos verdadeiramente produtivos.

O Orador: - Exacto!

O Sr. Almeida Garrett: - Atrevo-me, no entanto, com a imodéstia de algum conhecimento de causa, a dizer a V. Ex.ª, e era essa a única rectificação que queria fazer, que nesse processo todo ó apenas esse grupo de especuladores que aproveitam, e mais ninguém, ao contrário do que só possa pensar.

Muito obrigado.

O Orador: - O outro problema é o da alta de preços.

Não é possível continuarmos com actuações desordenadas, nem parece legítimo conter alguns preços e alguns rendimentos de trabalho (apenas os salários).

Como se admite, por exemplo, o recente aumento do preço de transporte no metropolitano de Lisboa? Como é isso compatível, dentro de uma política que deve ser coerente, com a medida que impediu, por exemplo, o aumento do preço do pão?

Quis-se apenas- evitar prejuízos? Mas, então, vão aumentar os preços em todas as actividades que dão prejuízo, independentemente de averiguar se são bem ou mal administradas?

Ou, mais simplesmente, isso permite evitar que seja posto em causa o controle de uma administração municipal que permitiu e favoreceu este metropolitano? Ou, ainda mais, de um sistema que retira aos munícipes a escolha e o controlo da actuação dos responsáveis?

A inflação com que nos debatemos é consequência dos erros que cometemos, das soluções que adiámos, da coragem que não tivemos.

Mas continuamos a querer iludir-nos com a universalidade do fenómeno ou a alimentar a esperança de que o mau tempo passe por si.

Não podemos continuar a procurar evitar o alcance das transformações ou a atenuar-lhe os efeitos protegendo estruturas e atitudes ultrapassadas.