Para orientar e disciplinar a vida económica, obviando às suas perturbações, também sociais e políticas, nascidas da subida ilimitada dos preços, ou da sua queda vertical, com a correlativa incidência no valor da moeda, instituiu-se entre nós o sistema corporativo, permitindo aí a intervenção (embora, mediata) do próprio Estado.

Apesar de tudo, vamos assistindo ainda hoje a uma gradual asfixia de muitas das nossas explorações agrárias.

Se não quisermos soçobrar neste sector, teremos de remover, com a maior urgência e sagacidade, semelhante anomalia, cujas causas principais não será difícil descobrir.

Porventura, na meritória intenção de proteger certas classes economicamente mais débeis e talvez ainda pela falta de meios, inoperância ou menos diligência, em certos casos, de alguns organismos corporativos, verifica-se que a respeito de muitos produtos agrícolas e a pretexto de contrariar as tendências inflacionistas, ou por outros motivos, se bem lançado, mão do e indesejável fenómeno (deflação), se não ainda mais grave, pela injustiça social que revela ou pode provocar.

Creio não haver nestas palavras sombra de exagero. Repare-se, por exemplo, em que o preço dos cereais é hoje, por força das tabelas (que não pela lei da oferta e da procura), sensivelmente o mesmo de há cerca de um quarto de século, enquanto os salários rurais de então para cá aumentaram, pelo menos, cinco vezes.

Isto sem falar dos fertilizantes, das máquinas, utensílios e outros produtos necessários à lavoura, cujo preço - estranho privilégio - continua sempre em quase ilimitada ascensão.

Devo esclarecer que de modo algum considero excessivo o nível actual dos salários rurais. Quero apenas significar com este elucidativo exemplo que tais circunstâncias, como se tem verificado, tornam impossível a vida da maior parte das nossas explorações agrícolas, às quais, se lhes for ainda aplicada literalmente e sem reservas a alínea c) do artigo 20.° da proposta, na modalidade da contenção de preços ou de importações maciças, nem sequer alguns subsídios adrede concedidos à lavoura poderão decisivamente valer.

Daí, por inviabilidade económica, o irremediável caminho da insolvência. Daí o êxodo das populações rurais, que abandonam as suas terras para irem procurar na indústria, no comércio, e, o que é mais grave, na alarmante emigração, os meios necessários à sua mantença. Daí, pela forçada rarefacção dos produtos no mercado (em economia livre esta circunstância levaria à hiperinflação, ou à chamada inflação galopaste, certamente criadora de novos investimentos no sector), daí - dizia eu- as destemperadas importações de cereais, de carne, lacticínios e outros produtos alimentares essenciais, que afinal a nossa Lavoura poderia fornecer e cujos números bem significativos ainda na última sessão legislativa nos foram revelados pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Trigo Pereira. Daí, também, o abate recente de duzentas e cinquenta c abeças de gado leiteiro, por não ser economicamente viável e respectiva exploração.

Em consequência, veja-se o que agora se passa com o abastecimento de leite vindo de fora, ao que se diz, mais ou menos oxigenado. E para além da perda de preciosas explorações leiteiras, veja-se ainda quanto esse expediente custa agora ao País e ao consumidor.

Se assim continuarmos, sem dúvida que este novo processo deflacionário acabará também por estiolar a já débil economia agrária.

Tem sido, na verdade, bem diferente das outras a forçada situação desta actividade. Estou a pensar em que, na indústria, se aceitam e praticam preços que permitem amortizar em cinco anos o capital investido. E, por via de tão «famosa escandalosa diferença» (assim diria Mello Freire) a constante drenagem para o estrangeiro de preciosas reservas financeiras.

Lembremo-nos de que a nossa balança comercial acusa um déficit anual superior a 20 milhões de contos. Nada menos do que o custo de dez pontes sobre o Tejo. E pior ainda se, para o equilíbrio da balança de pagamentos, algum dia nos faltar o dinheiro dos emigrantes e do turismo, que tão proveitosamente podia ser empregue no fomento nacional.

Ninguém, assim, poderá esperar o «regresso à terra» das populações rurais que a tenham já abandonado. Ninguém deverá supor que a lavoura continue a atrair, para aí se fixarem, como se deseja e prevê no artigo 19.º da Lei de Meios em vigor, aqueles que do agro ainda não saíram.

Ao agricultor não pode deixar de se reconhecer o direito - mas o efectivo direito - a um digno padrão de vida, isto é, de ascender, como os demais trabalhadores, aos benefícios da civilização.

E isso só se conseguirá pagando-lhe os produtos pelo seu justo valor.

Quero dizer: os preços dos produtos da lavoura, ao contrário dos actualizadíssimos preços industriais, estão muito aquém do que seria razoável para que, na empresa agrícola, cubram os respectivos encargos e permitam lucros socialmen te justos.

Por tudo isto, decisão muito delicada e melindrosa será, pois, a de tomar medidas anti-inflacionistas (por meio de importações ou contenção forçada) em relação a produtos cujos preços se situam ainda ao nível de uma artificiosa e anómala pressão deflacionária, imposta coactivamente, nos termos referidos.

Parece-me mesmo ilegítima e contrária aos reais interesses da colectividade essa prática enquanto os preços dos produtos da lavoura não atingirem o nível indispensável a cobertura daqueles lucros e encargos.

Só depois de se alcançar este equilíbrio, em termos de tratamento igual ao dos produtos industriais, será lícito, a meu ver, o combate às tendências altistas (inflação), em todo o caso, objectivo a conseguir, não através dos famigerados tabelamentos, mas pela fiscalização dos lucros dos intervenientes na distribuição, e regular funcionamento da organização corporativa, para tanto criada, que se deseja também fortalecida e livre de todos os ele mentos, actividades ou organismos espúrios que a entorpeçam ou a possam ainda comprometer.