medidas concretas de planificação e coordenação que levem a um entendimento salutar e capaz de estimular a colaboração activa das populações e dos serviços entre si, no progresso social, económico e cultural que lhes diz respeito? Ou, o que é pior, se as há, e parece que sim, como é possível que alguns responsáveis da Administração se permitam iludi-las ou pô-las em causa para satisfação de vaidades ou tolos prestígios pessoais?

Esse seminário, ou reunião, de que me venho ocupando fechou com uma magnífica sessão plena de conteúdo e força, como o têm também as conclusões apresentadas, e em que se ouviu a voz autorizada, a palavra de ordem esclarecida e segura, do Sr. Ministro de Estado, que a todos dá confiança, mesmo àqueles, e alguns haverá certamente, a quem ela soe menos bem. Mas é bom ouvi-la. Faz bem saber que o planeamento nacional está entregue em tão boas mãos.

Tenho dito.

O Sr. Miller Guerra: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: No decurso da discussão da proposta de lei sobre a liberdade religiosa, em 1971, proferimos as seguintes palavras:

A liberdade religiosa tem duas faces, uma das quais respeita à igualdade de direitos dos diversos credos, e outra, menos falada, mas mais importante, consiste na liberdade de propagar a doutrina e a fé. Considerada por este ângulo, a proposta de lei deixa a consciência do crente ilaqueada por limitações radicais à propagação da verdade que professa.

E na sequência destas proposições, fizemos a pergunta crucial: como pode a Igreja ser livre num Estado que coarcta a liberdade de pensamento e de expressão?

Os acontecimentos da capela do Rato, que fizeram estremecer a consciência de numerosos católicos e não católicos, responderam à pergunta. A religião não consiste sómente nos actos de culto e de piedade - é uma concepção universal do homem, da natureza e da história. É a resposta às interpelações da vida presente e futura. Considerar o facto religioso circunscrito ao templo e ao cemitério é amputá-lo, porque equivale a conceber a religião como um simples cerimonial. Em nome da fé o crente pode ser levado a defender, por exemplo, a liberdade da palavra e de reunião e a protestar contra a injustiça. Se o Estado lhe nega esses direitos, a liberdade religiosa não existe.

De facto, se ainda havia quem alimentasse dúvidas a este respeito, ficou plenamente elucidado depois dos acontecimentos da capela do Rato. A liberdade religiosa entre nós é pura e simplesmente uma ficção.

Vozes: - Não apoiado! Não apoiado!

O Orador: - A Igreja em Portugal gozou longos séculos da preponderância social que lhe vinha da conformidade com o poder civil na manutenção comum do legalismo, da autoridade, da ordo. Esta situação experimentou uma grande estabilidade no Estado Novo, mas começou a vacilar há alguns anos.

À imobilidade sucederam inquietações e dúvidas provocadas pelas convulsões do mundo contemporâneo e pelo espírito desassombrado do grande Papa João XXIII.

À concepção autoritária, dogmática e triunfalista sucedeu a concepção democrática, crítica, que procura o caminho através do risco e da incerteza. Ao anátema sucedeu o diálogo. Eis por que o sistema sócio-político, vendo oscilar os suportes espirituais que o legitimavam, replica com violência, sentindo atacados os fundamentos da aliança tradicional. Duvidar, discutir, interrogar, tornaram-se indícios de emancipação, e, no sistema hermético de uma só verdade e de uma só lei, não se tolera o protesto nem a independência. O ind ivíduo tem os direitos que o Poder Público lhe confere, e entre nós mais nenhum. As aspirações à justiça, à igualdade, à verdade, o respeito das crenças e das ideologias, são recalcados ou sublimados, porque não podem aparecer à luz do dia.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - O recalcamento é a solução comum - consiste em sufocar as tendências ideais. A sublimação consiste na transformação das tendências reprimidas em comportamentos aprovados pelo regime político.

Suprimem-se assim os conflitos, mas não se resolvem.

Com espírito conciliador e usando uma linguagem prudente, a nota do Patriarcado vinda a lume no dia 11 reflecte a perplexidade dos católicos quando procuram traduzir praticamente as directrizes doutrinais do Pontífice e as verdades evangélicas.

O Sr. Casal-Ribeiro: - De alguns católicos!

O Orador: - Podemos estranhar que uma sociedade afeita a harmonizar as prescrições da hierarquia religiosa com as disposições do poder governamental se veja numa posição melindrosíssima quando os cristãos querem tirar as consequências políticas da sua fé? Quando são retalhados por dúvidas e escrúpulos de consciência suscitados pelas desarmonias entre a realidade e a doutrina visíveis a todos? Por que não hão-de inquirir os factos livremente, confrontá-los, reflectir e tirar as conclusões, como homens independentes que são ou deviam ser? Pois não disse Paulo VI, em 1966, que a paz precisa sempre de ser procurada, defendida, suscitada, construída?

Como se podem compreender os obstáculos ao cumprimento dos preceitos do Sumo Pontífice num país que constantemente se dá a si e se mostra ao mundo como exemplo de nação católica?

É aqui, nesta terra glorificada pela fidelidade à Igreja, que, no dia 31 de Dezembro, os católicos reunidos numa capela para discutirem a justiça, a paz e a guerra são expulsos do templo...

Vozes: - Não apoiado!

O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª não pode continuar a falar assim. Sabe Deus as razões dolorosas...

O Orador: - V. Ex.ª tem de pedir licença para me interromper.