As nossas cidades, vilas e aldeias são ostensivamente ricas desses «milagres do saber humano» e não as estimamos como dádivas sagradas.

Bibliotecas, museus, castelos e suas muralhas, cisternas, palácios, solares, praças, fontes, mosteiros, igrejas, sarcófagos, pinturas, mobiliário, cerâmicas, tapeçarias, talhas, etc., atestam-no e algumas reflectem abandono, e outras, o que é mais aflitivo, entregues à cobiça de negociantes sem escrúpulos.

Se ao menos não saíssem para fora do País e não fossem danificados por curiosos, do mal o menos.

Para combater esta tremenda praga que corrói o espírito artístico, eu atrevo-me a pedir que em todos os concelhos do País se faça no ano em curso um arrolamento completo de todos os objectos que constituam arte ou que representem motivos de cultura, de folclore, de artesanato, de etnografia, de típico urbanismo regional, eu sei lá, de tantas manifestações do génio popular, de forma que se inventariem, classifiquem, se fotografem, se protejam da deterioração e da extinção e fiquem dependentes da legislação própria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para isso, tem de haver os gastos inerentes e eu pedia que todas as câmaras e entidades oficiais, neste ano de 1973, economizassem algumas verbas para as aplicarem na inventariação do seu património artístico.

E para tal, se o próprio Estado lhe reservasse verba e técnicos semelhantes aos consagrados a outros sectores, seria, a meu ver, uma arrancada decisiva.

O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!

O Orador: - Não se faria mais que continuar e melhorar o ritmo de conservação que se vem processando há algumas décadas.

Aumentando e enriquecendo os museus regionais, protegendo as raridades das bibliotecas municipais e seus arquivos, activando as academias, restaurando os monumentos que mais careçam, evitando que o artesanato se extinga e promovendo a sua actividade, são alguns dos tantos objectivos que propomos com maior âmbito e perseverança.

Todos sabemos que se criou, em 1932, apara defender e divulgar a cultura artística nacional, promover o seu desenvolvimento e o estudo da respectiva história e tradição, bem como para proteger o património artístico e arqueológico do País», a Academia Nacional de Belas-Artes, que, além de ficar constituindo um meio de profícua convivência de artistas e historiadores de arte, veio a realizar, em alguns volumes, o inventário artístico do País», necessariamente incompleto por ser quase impossível vencer tantas dificuldades e por estarem sempre a aparecer obras de arte até aí ignoradas.

O Sr. Oliveira Ramos: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Oliveira Ramos: - Estou a ouvir com toda a atenção as judiciosas considerações que está a produzir, e que eu apoio inteiramente, tanto mais que elas vêm ao encontro de algumas observações que já tenho feito nesta Casa em defesa do património artístico e monumental da Nação. Mas lembro que em circular enviada aos delegados da Junta Nacional da Educação essa mesma Junta pediu que todos eles contribuíssem, através de um esforço pessoal, para se organizar um novo cadastro dos monumentos e de todos os valores artísticos que ainda não estão catalogados. Tal circular é relativamente recente, creio que do ano passado ou dos fins do ano de 1971.

Ora, na minha opinião, é através dessa via que nos concelhos se pode efectivamente produzir obra útil, no sentido de registarmos nos arquivos do Estado tudo o que vale a pena ser recolhido e é digno da consideração das gentes de hoje, como exemplo do passado e exemplo para o futuro. Tem isto em vista dizer que a Junta Nacional da Educação está atenta ao problema. O que interessa é que por todo esse País os delegados contribuam decisivamente para se conseguir aquilo que V. Ex.ª deseja e pelo que está a pugnar neste momento através das suas considerações.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Desconhecia a circular, mas eu adiante farei referência à Junta Nacional da Educação e aos seus valiosos préstimos.

Ora, é precisamente para completar essa monumental e valiosíssima obra que apelamos para as juntas distritais, para as câmaras municipais, para todos os estudiosos, professores e religiosos, alunos das três Faculdades de Letras e Escolas Superiores de Belas-Artes e enamorados do saber que anonimamente habitam por essas genuínas terras portuguesas.

As juntas distritais, porque é uma das suas funções, teriam a colaboração técnica dos delegados da Junta Nacional da Educação (directores de museus e outros delegados qualificados).

As juntas têm rubrica própria para inventário distrital, e, por isso, seriam a base legal para este nobilíssimo trabalho.

A formação de equipas de protecção à arte, com base no concelho, proporcionaria aos estudiosos das três Faculdades de Letras e Escolas Superiores de Belas-Artes e três únicas delegações da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais em todo o País é não só insuficiente, como incapaz de o cobrir eficazmente.