tados em maus poemas e depois cantados pelas ruas ou nas feiras? Dos discursos oficiais? Das noites povoadas de contos transmitidos de geração em geração, com uma moral e um mundo fantástico a formarem-se por longa sedimentação, aquilo a que Riesman chama os «media da lareira»?

E as homilias das missas de domingo, durante séculos quase o único meio de informação e de difusão de que dependemos?

Tudo isto é ainda importante em tanto lado e à nossa volta, ou a sua lembrança é ainda tão recente ...

Mas no nosso tempo, muito nitidamente na segunda metade do nosso século, os meios de comunicação tradicionais perdem quase bruscamente a sua importância, substituídos por outros a que, à falta de melhor designação, chamaremos «os meios modernos de comunicação social».

É o jornal «de grande tiragem e expansão» (como é costume dizer-se em todos os títulos), são as revistas ilustradas, a publicidade omnipresente na nossa vida, a suceder ao simples e tímido reclamo, o cinema, a rádio, a televisão.

Da sua importância na nossa vida falam os números das tiragens, ou dos espectadores. Todos os sentimos.

Mas em que consistem as diferenças entre as «novas» e as outras formas de comunicação? Eu diria que as diferenças são essencialmente duas: em vez de a pequenos grupos, dirigem-se a grandes audiências; são de vocação universal (quer em dimensão, quer quanto ao tipo de público), isto é, ignoram ou pretendem ignorar diferenças e privilégios, em especial culturais. Acima de tudo, são uma linguagem nova e comum.

É talvez por isso mesmo que são um aspecto da mudança.

Não são um simples aperfeiçoamento técnico, mas coisa diferente. Por isso, o seu aparecimento é acompanhado de transformação na nossa própria forma de viver em sociedade.

São, como disse Friedman, uma espécie de «face cultural de nova sociedade técnica».

Estão profundamente interligados a sociedade actual e os seus meios de comunicação.

Tal qual como v ivemos numa, ou caminhamos para uma, sociedade industrial, a própria existência dos meios de comunicação social modernos não seria possível sem a mecanização ou a produção de massa.

Só numa sociedade técnica foram possíveis a rotativa ou o transístor.

Sem informação não é possível, nem a previsão, nem a prospectiva.

Nem sequer uma sociedade dita de consumo se pode separar da publicidade e da acção conjugada dos meios de comunicação.

Novos modelos de comportamento e de relações humanas são difundidos e apreendidos por seu intermédio.

Poderíamos continuar a reflexão. Julgo que muito longe estamos de a ter sequer esboçado.

Mais importante, talvez, seja iniciar já outro caminho: desviar-nos do conceito mais corrente da influência dos meios de comunicação pelo conteúdo que transmitem e fixar-nos noutra ideia: a da influência dos meios de comunicação pela sua maneira de actuar.

Quero dizer, ou sugerir, que uma reflexão sobre, por exemplo, a transm issão directa dos jogos olímpicos também é importante porque a informação se tornou instantânea, universal e, sobretudo, imediata, isto é, directa, sem intermediários. Os acontecimentos do mundo deixaram de nos aparecer com grande atraso e com intermediários obrigatórios.

Claro que não estou a confundir «isto» com a objectividade da informação: não «vemos» os acontecimentos, mas a imagem deles recortada por uma câmara e um écran. Mas estou, assim mesmo, a sublinhar uma realidade.

Permito-me até acrescentar mais um ponto: é que me parece que a «imagem» vem levantar um novo problema: o passado posto diante de nós, projectado à nossa frente, perde o encanto e o mistério das velhas recordações. O sonho começa em relação ao futuro: o valor simbólico aparece reforçado pelo comentário e pela espectacularização dos acontecimentos feita pelos media.

Não me parece que em matéria de informação, em Portugal, estejamos bem atentos a esta verificação.

O outro ângulo de observação é o da nova maneira de compreender e de se fazer compreender que temos à nossa disposição. Os etnógrafos sabem-no por forma muito concreta; o canadiano Perrault vai a ponto de afirmar que a «palavra do povo», como expressão falada e vista, só tem existência social depois do registo audiovisual. Até lá só poderia conhecer-se pela transcrição escrita dos eruditos ...

Uma nova linguagem, que, em vez de comentar ou demonstrar, mostra e é, por isso mesmo, mais directa e sintética, entra progressivamente nos nossos hábitos.

Os efeitos dessa comunicação parecem estar em relação directa com a força do meio utilizada: uma mensagem tem 20 por cento de probabilidades de ser eficazmente recebida se é apenas escutada, 40 por cento se é vista, 80 por cento se é vista e ouvida ao mesmo tempo.

Melhor do que eu, outros Deputados abordarão estes pontos.

Por mim, regressarei a uma outra linha: a dos aspectos sociais novos trazidos pelas novas formas de comunicação.

Quando nos é mostrado o que se passa e como vivem outros, há uma experiência que, de algum modo, podemos assumir. É o próprio mundo que nos é revelado que se torna um coeducador permanente. Mais ainda: o professor ou o notável da terra são substituídos por novos leaders de opinião, o que os meios de comunicação trazem até nós.

Volto a dizer: não foi uma técnica que evoluiu, mas as próprias formas de comunicação entre os homens que mudaram.

A compreensão de linguagem fílmica, por exemplo, é já maior entre as crianças que entre os adultos; antes de entrar na escola primária, quantas horas semanais de televisão têm já as crianças portuguesas?

Mas quantos de nós não nos teremos interrogado sobre qual será a forma de pensar adulta das crianças portuguesas que nasceram com a televisão? É certamente provável que seja diferente daqueles para quem só o livro contou.

Porque a imagem é polivalente, isto é, carregada de sentido e susceptível de múltiplas leituras, há quem admita que a forma de pensar das novas gerações seja mais bem dotada para uma compreensão integrante,