penso (e julgo já o ter deixado claro) que não estamos de nenhum modo em posição de só o futuro ser para nós fonte de preocupações. E porque penso que é agora que importa começar.
Isto posto, a primeira reflexão que gostaria de sugerir é que toda a problemática da comunicação de massa nos aparece, em Portugal, como um acrescentamento ao nosso modo de vida, nada de realmente ligado a essa mesma vida.
Jornais, rádio, cinema, televisão, aparecem para a maior parte dos portugueses como um elemento de conforto, mais ou menos supérfluo, como um processo de arregimentar clientelas ou como um mal necessário.
Creio residir aqui a primeira fonte de muitas ... distorções.
Segunda distorção essencial: Num país apenas em vias de desenvolvimento, com uma proporção de um para dez entre concelhos urbanos e rurais (e até sabemos o que têm de falso estes números para caracterizar a urbanização incipiente), até que ponto a linguagem e o estilo dos nossos meios de comunicação so cial, dos horários à importação maciça das séries americanas para a TV ou ao folclore estilizado para turista ver tomam em conta esta realidade?
Ainda numa enumeração (e não mais do que isso) de pontos essenciais, julgo valer a pena considerar o problema das relações entre o Poder e a informação.
Todos sabemos como, desde sempre, a informação foi considerada sinónimo de Poder.
Não se estranhará, portanto, que o Poder estabelecido se sinta perturbado face aos novos sistemas de informação.
Julgo que também aqui é a mudança que assusta. Um país mais culto e mais bem informado corresponde a uma mudança radical do sistema de Poder.
Penso não errar o diagnóstico se pensar que é por isto, e só por isto como razão profunda, que tanto se ataca o actual Ministro da Educação Nacional.
O que se passa com os meios de comunicação social entre nós é que, a todo o custo, se tenta reduzi-los à função da comunicação tradicional.
Se imediatamente nos ocorre o papel das censuras (ou exames prévios), a este ângulo de visão importa considerar também os monopólios - da E. N., TV, das agências noticiosas nacionais - e as próprias taxas.
Porque se taxaram a rádio e a televisão? Como custos de um serviço, não, certamente, porque bem maiores são as receitas vindas de outras fontes, mas, fundamentalmente, como forma de marcar distância social e sempre como forma que não parece seja de promoção.
É urgente que acabem as taxas. São anacrónicas e impopulares. Mas, mais do que isso, são também um sintoma.
Penso, dizia há pouco, que a comunicação de massa não entra na nossa vida. Acrescento: nem pode entrar, porque é instantânea, imediata, directa, e os restantes meios de que dispomos, ou estamos dispostos a usar, lhe são muito anteriores e, portanto, nem tão rápidos, nem tão eficazes.
Por isso, o primeiro cuidado com a informação é não informar ou negar os factos. Foi assim que começámos por «não ter» cólera, como agora também começamos por «não ter» gripe. E preferia não falar de silêncios mais graves.
Temos uma informação sistematicamente calada perante a vida, entendida não como meio de transformação, mas como causadora de aborrecimentos e fonte de indiscrições; tudo fazemos para que ela fique à margem dos problemas reais, tendo como única gesta a do passado, como únicas lutas as desportivas ou das canções dos festivais, e se reduza àquilo que foi pautado e, por tudo isto, perca a credibilidade.
Quem hoje, em Portugal, não é informado, sobretudo pelos seus conhecimentos, ou por outra língua ou outros países?
Não admira verificarmos, como o Sr. Secretário de Estado da Informação fez na sua recente palestra pela televisão: «Sente-se, de facto, que falta algo que estimule a curiosidade da opinião pública.»
Mas não nos limitamos a querer expulsar, ou a conter dentro dos limites cuidadosamente traçados, a informação. Ela é sempre olhada como perigo potencial.
Agora ac rescentarei, e não sei se surpreendentemente: com razão.
Porque é um novo modelo de viver que nos é proposto. Se ao nível do consumo (o turismo, a publicidade, por exemplo, foram primeiro contrariados, depois suportados, finalmente aceites com entusiasmo) o problema não é considerado grave, é-o, certamente, quando se pensa que poderiam ver a luz do dia muitos dos desfasamentos, dos desequilíbrios e tensões com que a sociedade portuguesa hoje se defronta.
Parece-me extremamente evidente que, se queremos realmente transformar o País, é preciso assumirmos a consciência da diversidade de que partimos.
Direi mais: Não é possível deixar que se prolongue a insuficiência da resposta às forças de transformação. Não poderão continuar a manter-se fortes correntes de emigração, a recepção das economias regionais, as tensões inflacionistas, as dificuldades do sector público, etc.
Por isso, penso ser necessário e urgente que se comecem a encarar os cenários da evolução para «iluminar os caminhos do futuro com a largueza necessária para que fiquem claras as tendências a que virá a estar sujeito, para que se vejam em tempo as opções possíveis e para se definir com realismo o quadro global e harmónico em que deverão encaixar-se os programas de acção a médio prazo» (Dr. João Salgueiro Prospectiva Geral do Planeamento em Portugal, conferência no I. A. E. M.).
A comunicação da massa parece particularmente apta para revelar que há modelos de vida que já não podem manter-se e outra que é preciso procurar.
Julgo que isto está bastante longe da satisfação que nos é transmitida.
Poderia, obviamente, concretizar mais. Julgo ter ocasião de fazê-lo aquando do encerramento deste debate.
Por agora, limitar-me-ia a chamar a atenção para três factos apontando no mesmo sentido: o papel crescente que vem sendo dado aos comentadores que da sua cátedra vêm ensinar, o sempre que acontece algum facto novo (e o imprevisto teima em acontecer) aparecer a voz, «solene e majestosa», do locutor ou do editorialista para compensar a irreverência e, finalmente, o facto de boa parte desses comentários errarem as suas previsões (não será necessário evocar largos ou remotos exemplos: basta pensar na vitória eleitoral do chanceler Brandt).
É que queremos orientar, andamos à procura de segurança do saber de uma vez para sempre, e por