E vamos concluir, Sr. Presidente, aprovando na generalidade á proposta de lei acerca do Plano de Fomento para 1974-1979. No nosso espírito, a certeza de que temos um caminho claramente delineado, com vista à edificação de um estado social livremente aberto a todos os cidadãos e onde o acesso à hierarquia administrativa, civil e política, seja apenas ditado pela capacidade individual.

Que já dizia Sócrates: «Não há mais do que um bem, a sabedoria, nem mais do que um mal, a ignorância; o importante é crer no justo e no verdadeiro e aplicá-lo na vida...»

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Vargas Pecegueiro: - Sr. Presidente: Cumpre-me, em primeiro .lugar, cumprimentar V. Ex.ª, solidarizando-me com todos os Srs. Deputados que, antes de mim, nesta mesma tribuna, se dirigiram a V. Ex.ª para lhe testemunharem a mais alta consideração e o mais profundo respeito.

No momento em que, pela primeira vez na minha vida, tenho a honra de me dirigir a V. Ex.ª na qualidade de Presidente da Assembleia Nacional, sinto a responsabilidade que me foi. cometida como Deputado da Nação, cuja história se consubstancia com a desta própria Casa a partir de 1822, e desejaria sempre e em todas as circunstâncias ser verdadeiramente digno de me encontrar aqui.

A Nação não é objecto, é sujeito; quando se é investido em funções desta natureza, a única coisa legítima é servir. É como representantes da Nação, ao serviço da Nação, que aproveito esta oportunidade, especialmente significativa, para cumprimentar todos VV. Ex.ªs, Srs. Deputados.

Sr. Presidente, a proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento, que se encontra em debate na generalidade, tem merecido múltiplas, pertinentes e lucidíssimas intervenções por parte de muitos membros desta Assembleia.

O projecto do IV Plano de Fomento, que o Governo apresentou conjuntamente com aquela proposta de lei, é um notável documento, que, não apenas pela natureza do conteúdo, mas, sobretudo, pela complexidade dos temas, exige profunda reflexão, antes de ser legítima qualquer análise crítica.

É axiomático que essa análise, para ser legítima, há-de integrar a dilucidação sectorial no enquadramento global de que faz parte.

Com a plena consciência destes pressupostos, permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que ponha à consideração da Assembleia as seguintes reflexões sobre o capítulo I dos sectores de natureza social - «Educação e cultura».

Começa o referido capítulo por estabelecer os objectivos gerais e os domínios prioritários de actuação. Quanto aos objectivos gerais, é dada ênfase particularmente relevante ao primado do desenvolvimento integral da personalidade na acção educativa, de forma a aumentar a capacidade de intervenção dos indivíduos na vida comunitária e a facilitar a mobilidade e promoção sociais, sem ser esquecido que a valorização dos indivíduos deve, por um lado, estar sempre ao serviço da própria comunidade de que fazem parte e, por outro, ser «suporte de um processo de expansão e criação cultural, elemento essencial para um mais perfeito entendimento da. vida do homem na sociedade contemporânea».

Não se ignoram no projecto do Plano os condicionalismos de natureza humana e material a que há-de estar sujeita a concretização da reforma e o ritmo da expansão educativa; por isso mesmo se põe em evidência que «a plena inserção do sistema educativo na vida colectiva, implicando uma maior e mais completa ligação às famílias e às outras sociedades primárias, poderá exigir a criação de novos hábitos e atitudes mentais».

Releva de facto conferir a estas afirmações toda a sua imperatividade: uma reforma de ensino é um programa de acção; só se transformará de palavras em realidades se aqueles a quem se destina forem sujeitos e não meros objectos dessa mesma acção.

Educar é libertar; mas é sobretudo libertarmo-nos, ascendermos ao nível da pessoa humana, sermos capazes de vencer os limites do nosso individualismo egocêntrico e subirmos às regiões do espírito. Ao nível do indivíduo puro, psico-fisiologicamente falando, o homem não é ainda livre, é determinado pela sua infra-estrutura biológica; só pela educação da inteligência e da vontade se pode elevar à dignidade nacional, que é, em suma, capacidade de nos relacionarmos efectivamente com os outros, numa realização pessoal e colectiva em que os outros são tão importantes como cada um de nós, e assim cooperando activa e conscientemente na construção de uma comunidade de sujeitos na realidade livres, porque autenticamente responsáveis.

à proble mática da educação identifica-se por isso com a própria problemática da emancipação do homem em todas as épocas e lugares; no nosso caso concreto de portugueses, na época actual e no lugar que ocupamos no Mundo, começa .por exigir, como ponto de partida sine que non, que cada português se convença de que a sua promoção pessoal e a da colectividade são, acima de tudo, um trabalho de responsabilização de cada um em relação a todos e de todos em relação a cada um. Daí a importância, na acção educativa de um povo, dos meios de. comunicação de massa e da dinamização dos grupos de convivência social, que o próprio projecto do Plano afirma terem hoje papel decisivo na aquisição de conhecimentos e na formação da personalidade.

E aqui entronca um problema capitalíssimo também, para o qual desejaria voltar por momentos a minha atenção: trata-se do problema da educação cívica.

A educação cívica tem de começar na escola; de contrário, corre risco de nunca começar. Refiro-me ao exercício quotidiano de uma forma activa de aprendizagem que a experiência psico-pedagógica tem vindo a encarecer cada vez mais.

Pois essa forma de aprendizagem consiste no quotidiano exercício da malas profunda forma de dignidade pessoal: a de só querer ter o direito de ter direitos na exacta medida do consciente e voluntário cumprimento dos deveres que a recta razão impõe. Função de ordem, disciplina interior e harmonia, eis em que consiste a vontade livre. Liberdade (igual a autodeterminação em função de um ideal ético) só pode ser compatível com lavre observância da M moral. Na medida em que se submete à lei moral, a vontade humana não fica determinada, autodetermina-se racionalmente.