É por isso que a vontade livre é incompatível com o caprichismo. É por isso que, quando o homem se deixa vencer pelo determinismo das funções biológicas e não consegue controlar ais forçais da natureza que em si próprio habitam, as quais, no comportamento psico-fisiológico humano se chamam instintos, tendências orgânicas, reflexos, emoções, hábitos, desejos, temperamento, não é um homem que verdadeiramente age: é um mamífero superior comandado pelo paleoencéfalo, em que os centros cerebrais superiores não funcionam e o hipotálamo tomou o lugar que deveria ser desempenhado por eles. Não é um homem que está na nossa frente, adoida mesmo que afirme esquizofrenicamente a sua liberdade - é um escravo que importa ensinar ia libertar-se de si mesmo. E quando acontece que, norteados por essa forma de comportamento, reivindicamos o direito de ter direitos, abrimos o caminho à transformação do amor «poético» da liberdade em concretização dramática dia anarquia.

Se assim acontece e o drama não passa os limites do próprio indivíduo em quem se desenrola, fecha-o contudo no ciclo vicioso das contradições internas, produz os inadaptados ou os abúlicos, os sonhadores ou os incompreendidos. Se, em vez de pessoal, o drama se torna colectivo, chama-se tragédia: há quem lhe chame revolução.

Em ambos os casos, porém, o efeito tem por causa a impreparação do indivíduo ou da colectividade no que se refere a educação cívica.

Evidentemente que a questão não é tão simples como esquematicamente a tentei caracterizar; nem a complexidade de causas que na base lhe está é possível die determinar em analise superficial como a que acabo de fazer.

Num livro recentemente publicado por Alçada Baptista, com o título Conversas com Marcello Caetano. afirma a certa altura o autor:

Quando reflectimos sobre as motivações das sociedades contemporâneas, somos obrigados a verificar que as pessoais não estão muito interessadas em vencer a sua ignorância, com vista à preparação da sua 1iberdade responsável1, em reflectir de modo a poder programar uma vida lavre e criadora que, naturalmente, não pode excluir os elementos de aposta no futuro e do risco de viver. Não. As pessoais estão sociologicamente motivadas por formas de segurança e exigem dos Estados que lhes resolvam os seus problemas pessoais e que a elas inteiramente se substituam.

E, a propósito, relembra as seguintes palavras do Presidente do Conselho:

Costuma dizer-se que a liberdade não se recebe, conquista-se. Só que não é pelo verbalismo irresponsável nem pelo anarquismo revolucionário que os povos podem conquistar as liberdades de que precisam. Eu entendo que os cidadãos só conquistam a liberdade à maneira, que vão assumindo responsabilidades.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Torna-se cada dia mais urgente a reflexão sobre estes assuntos e, para além da simples reflexão, a tomada de decisões concretas que permitam orientar quotidianamente a acção educativa em termos de formação efectiva da personalidade.

Essa a razão por que se anota como uma dias directrizes mais fecundais do projecto do IV Plano de Fomento-a de programar o sector educativo com a claríssima consciência de que uma coisa é educar, outra instruir; distinção que infelizmente nem sempre é compreendida por muitos daqueles mesmos que exercem a função docente, até porque se pode instruir sem educar ou mesmo deseducando.

A verdadeira educação (e sobremaneira a educação cívica) é matéria de exercício permanente, não pode «aprender-se» por via psitacista. Compete à escola criar as estruturas ético-pedagógicas necessárias para que esse exercício possa real e efectivamente processar-se. A educação é factor essencial das transformações sociais, com o no próprio texto do projecto se afirma. Daí a relevância da educação permanente. Daí a urgência de levar todos os portugueses à participação nesse mesmo factor essencial dias transformações sociais.

As considerações que acabo de fazer constituem um desenvolvimento do espírito que presidiu à elaboração do projecto no que ao capitado dia educação e da cultura especificamente concerne.

Em um tópico de decisiva relevância, refere-se o projecto do IV Plano de Fomento à necessidade de renovação permanente e diversificação funcional e institucional do sistema universitário.

Seria para mim grande honra que os conceitos acima expressos sobre educação cívica constituíssem uma achega útil, embora sem pretensões de originalidade, para relembrar a urgência e um equacionamento daquela temática em termos que, correspondendo à realidade sociológica que a Universidade é, permitam definir uma linha de orientação ético-pedagógica cada vez mais lúcida e eficiente, de for ma a pôr sempre a Universidade ao serviço da juventude e da Nação.

É que juventude não é sinónimo de «classe social», com todas as consequências que daí se quereria demagogicamente poder tirar; é tempo da vida de cada ser humano especificamente destinado à aprendizagem, num processas bio-psíquico de construção da personalidade em que cada jovem se deve exercitar, simultaneamente, no culto dos valores do corpo e do espírito, na aquisição de conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos que venham a permitir-lhe, quando adulto, o desempenho de uma profissão ou outra forma útil de actividade social no respeito consciente pelos direitos dos outros homens com quem conviva no espaço e no tempo, o que constitui a única forma legítima de reivindicar para si próprio os direitos de cidadania.

Ser jovem é ter, em primeiro lugar, o direito e o dever de aprender a ser homem, sem deixar de ser jovem. Claro que há uma forma de juventude, com múltiplas facetas, que nada tem que ver com a idade, e essa é a mais bela de todas as juventudes!

No meio de uma humanidade que em pleno século XX, a menos de três décadas do ano 2000, não conseguiu vencer ainda os flagelos da fome e da guerra, desperdiçar diletantemente o tempo da juventude é um luxo que só têm tempo e dinheiro para cultivar os ociosos que, contestando a chamada sociedade de consumo, que não edificaram, têm a desfaçatez de viverem como primeiros privilegiados dela.