tre o nosso país e as comunidades económicas europeias -, ser português é ter uma determinada atitude perante os problemas, os acontecimentos e os homens; não é simplesmente um facto. Constitui, por conseguinte, um compromisso de acção que a esta imprime um sentido; viver Portugal não consiste apenas em viver em Portugal; e pode até não o ser. Ter determinada nacionalidade não permite seja a quem for atribuir-se um papel messiânico, nem o autoriza a considerar-se melhor do que os outros; mas torna-o diferente dos outros e susceptível, por isso, de enriquecer a variedade natural de cada época com o contributo da sua diversidade.
Acontece com as nações -dissemos nós- o que acontece com os indivíduos: têm ou não têm «personalidade»; são ou não são caracterologicamente «vertebradas»; encontram-se sociologicamente na infância, na juventude ou na adultez.
Querer constituir na Terra uma civilização realmente universalista através de decisões tomadas em organismos internacionais onde o diálogo que se estabelece é evidentemente muitas vezes útil e necessário, mas onde as decisões são tomadas por uma maioria em que pesa de forma decisiva a imaturidade irresponsável quando não o primitivismo sociológico - é, com efeito, andar a brincar às nações, com o gravíssimo perigo de uma escalada à beira da guerra nuclear. Acompanhar tudo isso com afirmações de pacifismo é o cúmulo da desfaçatez ...
Querer, por outro lado, construir uma civilização humana universalista, à escala mundial, com nações homogeneizadas por um figurino único, ainda que enfaticamente seja o do desenvolvimento tecnocrata, é não perceber nada de história nem de sociologia; é construir um edifício sobre areia movediça; é, em suma, contestar a realidade com a imaginação; pode aceitar-se em livros de «ficção científica», mas não pode seriamente discutir-se quando se investigam realidades para construir com elas, e a partir delas, tinhas de evolução que nos permitam projectar o passado e o presente num futuro realmente digno do homem.
Nós somos uma personalidade histórico-sociológica que se alienará a si própria se não se consciencializar dos seus verdadeiros alicerces. Nós somos aquela terra que não acaba onde o mar começa, porque somos terra ainda para além do mar... Nós somos, sem qualquer sombra de dúvida, um povo pluricontinental e, por isso mesmo, plurirracial.
Não se trata de uma política do Governo; trata-se, indiscutivelmente, da única política nacional verdadeiramente digna.
Basta reler, por exemplo, António Sérgio, insuspeito aliás nesta polémica, para o compreender de im ediato: diz de na Breve Interpretação da História de Portugal:
A formação e a expressão da Nação Portuguesa não nos aparecem como dois fenómenos, mas como um único: e este é um aspecto - digamos - da passagem da economia agrícola e local da primeira parte da Idade Média para a economia burguesa, comercial, marítima (e de mercado universal) que chegou à plenitude
Sr. Presidente: Pelo espírito de positividade experimentalista, pela fundamentação da génese da ciência moderna, pelo ideal humanista caldeado peto espiritualismo cristão, o movimento português de expansão ultramarina não é apenas um alargamento de horizontes geográficos, é, de facto, ponto de partida decisivo para o advento de uma nova cultura que, estando até aí sufocada pelo horizonte mediterrânico, adquire a partir desse momento uma dimensão essencialmente colonizadora e, por isso, universalista. Como está sobejamente demonstrado o Quinhentismo português abre através dos oceanos novos rumos para uma Europa nova.
Essa Europa, importa recriá-la em termos de contemporaneidade; mas imaginá-la tão-somente pelo figurino da Europa desenvolvida é não saber tirar todo o partido das lições de história e teimar em edificá-la sobre areia quando, pela monumentalidade dos seus alicerces e travejamentos, se deveria desejar que fosse edificada sobre rocha.
Ora, a crise que a Europa neste exacto momento atravessa e cujas consequências e implicações decerto estamos longe ainda de poder exactamente prever, mas são, por seu termo, consequência lógica da crise de contradições em que sempre se debateu, especialmente depois da 2.a Guerra Mundial - evidenciam com clareza indiscutível que se persiste em querer construir a Europa contemporânea sob os escombros da sua própria abdicação.
E é trágico, porque a Europa é, na verdade, o cadinho em que se forjaram e continuam a forjar as grandes linhas de evolução do progresso humano, da ciência e da (técnica, à filosofia e à arte.
É trágico porque, na verdade, a Europa é mãe de civilizações!
Importa, entretanto, referir um possível equívoco de base: não é axiomático que a Europa contemporânea seja uma .realidade incontroversa, porque precisamente o que acontece é que essa Europa contemporânea é ainda um projecto por definir.
Nós temos, evidentemente, que manter e reforçar os laços que nos unem à Europa; nós temos, urgentemente, que «"adaptar a nossa economia aos condicionalismos decorrentes do processo de integração económica europeia», como se propõe na base V da proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento e esse é «um imperativo que decorre da ligação, decidida e negociada pelo Governo, da nossa economia à dos mais evoluídos países europeus».
Mas somos nós que, verdadeiramente unidos às raízes que determinaram a construção de uma Europa nova a partir do século XVI - somos nós, Portugueses, que persistimos em não desistir do projecto de construção de uma Europa autenticamente contemporânea, enleados, sem dúvida, numa complexidade de problemas resultante das nossas próprias contradições internas depois da época áurea dos Descobrimentos, mas realmente persistentes num ideal que é a nossa própria razão de ser histórica como rosto da Europa que fomos e queremos continuar a ser.
Vozes: - Muito bem, muito bem!