O Orador: - As estradas da ilha Terceira são percorridas por 1500 automóveis norte-americanos, que, representando embora 20% do tráfego local, em nada contribuem para a respectiva conservação, salvo por via de uma «compensação» de 1200 contos que foi entregue à Junta Geral de Angra (após árduas negociações) por uma única vez, no já longínquo ano de 1957

E depois há o chamado programa People-to-People, o qual, como é sabido, se destina a dar uma boa imagem de marca das forças armadas americanas por todo o Mundo, e se traduz em actos unilaterais de benemerência - dádivas a escolas, a asilos e hospitais, auxílio a sinistrados e algum apoio a organismos económicos oficiais- feita com convites às autoridades e com uma publicidade ostensiva e desproporcionada aos benefícios concedidos.

Por outro lado, a base americana é uma pequena cidade. Mas em matéria de infra-estruturas urbanas será mesmo a primeira do arquipélago Dispõe de um hospital, de biblioteca e de escolas que vão do ensino pré-primário até aos dois primeiros anos do college universitário. De três clubes, de duas piscinas, de dois cinemas, de ginásios, campos de jogos e até um pequeno hipódromo De redes completas de abastecimento de água, de saneamento e de distribuição de energia eléctrica. De uma estação radiodifusora e de um posto emissor de TV, por sinal o primeiro que funcionou em território português As suas cantinas vendem géneros originários de todo o Mundo, a preços incrivelmente baixos (porque isentos de direitos) para benefício dos residentes norte-americanos e de raros privilegiados portugueses. Dá-nos um modelo de ocupação urbana que à nossa gente nunca foi proporcionado até ao presente.

3 À população açoriana, e à primeira vista, os norte-americanos não fazem grande mal, tirando as devastações morais que circundam sempre uma base militar. Fazem mesmo algum bem. Todavia, psicologicamente, são um factor negativo e humilhante O contraste entre a sociedade portugues a, arcaica, rural, modesta, não urbanizada, e os 5000 estrangeiros bem alimentados, bem assistidos, bem vacinados, bem vitaminados, abarrotados de electrodomésticos, eriçados de antenas de TV, de máquinas fotográficas japonesas, de carros de oito cilindros, de equipamentos para pesca submarina e caçadeiras com mira telescópica, não pode deixar de sugerir confrontos, de marcar diferenciações, de dar vontade de partir para a terra donde eles vieram, ainda que para responder, sem preparação alguma, às exigências brutais de um implacável mercado de trabalho.

Quando se sabe, como tem sido divulgado, que esta situação se mantém há trinta anos sem contrapartida visível, designadamente ao nível - mas ao nível bilateralmente estabelecido da efectiva promoção das gentes do arquipélago, quando se sabe, por outro lado que ao longo desses mesmos trinta anos aquela base, como um barómetro, acompanha e responde a todas as convulsões militares e paramilitares do mundo ocidental - impõem-se, a quem reflecte, duas ordens de conclusões.

A primeira é que não interessa à região, nem ao País, a manutenção deste estado de coisas É um estado de coisas que nos diminui; que se mantém no exclusivo interesse dos utentes estrangeiros e cessará (como outros cessaram) quando tal interesse se modificar, que não nos concita gratidão, nem sequer respeito, por parte dos nossos aliados norte-americanos Pelo que deles conheço, sei que tomam muito mais a sério quem lhes exige com razão e com firmeza do que quem perde oportunidades para o fazer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A segunda é que o conjunto Lajes-Praia da Vitória, pelo que vale em si, e pela sua situação estratégica entre os dois maiores blocos económicos mundiais, há-de ser sempre um elemento fundamental, seja para fins militares, seja para os fins pacíficos de uma política de contenção continental portanto, em qualquer caso, numa perspectiva internacional, mas nunca forçosamente norte-americana.

4. Um primeiro ponto a deixar aqui vincado é que todo o arquipélago dos Açores -por aquilo que ficou referido, e até pelos riscos de uma retaliação nuclear, que surgem aquando de cada crise mundial- se julga no direito de esperar que, pela primeira vez, e na eventual hipótese de renovação do acordo, os Norte-Americanos se comprometam contratualmente na efectiva promoção das potencialidades, naturais e humanas, da região.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Basta pensar no que nos falta em matéria de comunicações, em matéria de valorização de quadros locais para o fomento agro-pecuário, e em matéria de tecnologia avançada e meios financeiros para o aproveitamento das riquezas geotérmicas do arquipélago.

Um segundo ponto é que as situações de desigualdade, ao nível laborai, ao jurídico-penal e ao da utilização das infra-estruturas, deverão desaparecer de uma vez para sempre, sem prejuízo da criação de um fundo de compensação para salários, aplicável no financiamento de projectos regionais

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - 5. Mas nós, Açorianos, povo voltado para todos os horizontes (e talvez por isso persistentemente português, ao menos enquanto em Portugal), não somos propriamente os habitantes da ilha de Malta E sentimos que esta base atlântica merece ainda mais contrapartidas do que aquelas -ao que supomos indiscutíveis- a obter para benefício local O que aquela base vale faz parte do património nacional E os benefícios a auferir dela deverão também atingir todos os portugueses Creio que bastará recordar os conhecidos exemplos da Espanha, para se saber o que pretendo apontar

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - 6. Estas palavras não envolvem hostilidade para ninguém. Com estas pretende apenas exprimir-se um voto, muito positivo e muito firme: que não percamos as oportunidades ao nosso alcance; que tiremos partido imediato da terra e dos homens, do solo e do mar, de situações geográficas que são únicas, de conjunturas históricas que podem não se repetir, e de potencialidades. económicas que há séculos espe-