Para melhor clareza e esclarecimento do assunto apresentarei um caso concreto e que interessa, presentemente, a quarenta municípios - a repartição do imposto de comércio e indústria devido pela Companhia Portuguesa de Electricidade e que todos os, anos, por falta de acordo entre os municípios, tem sido objecto de reclamação para a referida comissão.

É sabido que, para além das centrais térmicas da Tapada do Outeiro e do Carregado, situadas nos concelhos de Gondomar e de Alenquer, respectivamente, as centrais hidráulicas, em número de catorze ou quinze (se se contar a da Régua), já em exploração acham-se localizadas no interior do País, muitas delas em zonas fronteiriças, precisamente em concelhos de fracos recursos, de economia pobre e desprotegidos.

Diga-se aquilo que se disser, sofisme-se o caso conforme convier, entenda-se mesmo que, no caso vertente, os resultados da actividade industrial fluem do binómio "produção-venda", o certo é que o rendimento é produzido pelas referidas centrais, térmicas e hidráulicas É, pois, esse rendimento que deve estar na base da liquidação do imposto de comércio e indústria e na base do critério que há-de presidir à sua distribuição, pois, em principio, pertence aos municípios em cuja área é produzido.

Deve ser assim e assim foi entendido até à publicação do citado decreto-lei, quando a resolução dos litígios existentes entre os municípios e as respectivas empresas era da competência dos tribunais comuns, que sempre assim entenderam e decidiram tanto as instâncias como o Supremo Tribunal de Justiça.

Mas, uma vez transferida essa competência para a referida comissão, a qual passou a resolver em definitivo - quando, acentue-se, anteriormente as decisões dos tribunais estavam sujeitas ao regime de recursos-, parece que aquela comissão se deixou impressionar com o facto de municípios tradicionalmente pobres, localizados em zonas interiores e atrasadas do País, longe de tudo e de todos, pudessem obter um aumento substancial das suas receitas, passando a dispor inteiramente de um rendimento proveniente de recursos que constituem por vezes uma dávida da natureza e que o esforço do homem estudou, realizou e explorou, transformando-os em fonte criadora de riqueza.

E, daí, estabeleceu o seguinte critério liara, neste caso, proceder à distribuição do imposto devido e liquidado.

Dividiu este em duas partes iguais, uma delas correspondente ao trabalho e a outra ao capital, sendo a primeira distribuída pelos vários municípios interessados em função dos vencimentos pagos pela empresa na área dos mesmos. Ora, como o conselho de administração, o conselho de gerência e os servidores da empresa que constituem os seus quadros superiores e auferem remunerações mais elevadas se encontram no Porto e em Lisboa e, por outro lado, a exploração das respectivas centrais eléctricas ocupa reduzido quadro de pessoal e recebendo, comparativamente, vencimentos mais baixos, são aqueles dois- Municípios , que arrecadam para si uma grande parte do imposto correspondente àquilo que a comissão entende ser produto de trabalho.

Este critério, deste modo estabelecido e persistentemente aplicado nas decisões tomadas, tem prejudicado muitos municípios de receitas débeis mas cheias de carências, retirando-lhes parte daquilo que em boa justiça lhes pertence para o atribuir, sem fundamento aceitável, aos Municípios de Lisboa e Porto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, e quanto à parte do imposto que, ainda segundo a comissão, representa o rendimento do capital, o critério da sua distribuição é de igual modo defeituoso e conduz a flagrante injustiça, pois toma para base o valor do investimento considerado à data da sua realização, sem qualquer factor de correcção aplicado em função do agravamento do custo de vida Tal critério seria aceitável se os investimentos existentes nos vários concelhos tivessem sido realizados simultaneamente ou, pelo menos, dentro de limitado período de tempo, obedecendo à situação económico - financeira de determinada época. Deste modo, o valor do seu custo corresponderia ao mesmo padrão.

Mas nós sabemos sobejamente que, em consequência da evolução do custo de vida, face ao seu agravamento contínuo, as realizações vão ficando cada vez mais caras, o aproveitamento hidroeléctrico do Picote, no Douro internacional, entrado em serviço no ano de 1958, custou cerca de 700 000 contos, mas já o empreendimento de Carrapatelo, no Douro nacional, concluído em 1972, importou em 2 milhões e 200 000 contos e o custo do escalão da Valeira, também neste no, será de montante superior a 2 milhões e 300 000 contos.

Igual confronto de números relativos ao custo dos dois últimos aproveitamentos, além de outros realizados ultimamente ou em vias de execução, como seja o da Aguieira, no Mondego, poderá ser feito com os empreendimentos entrados em serviço no sistema Cávado-Rabagão nos anos 50 (Salamonde, Caniçada e Paradela) ou na década de 60 (Alto Rabagão e Venda Nova) ou com os do sistema Zêzere, também realizados anos atrás E, desse confronto, há que concluir, o que é normal acontecer, que, à medida que se avança no tempo, os investimentos vão custando cada vez maiores somas de dinheiro, pelo que o critério que toma para base o valor do investimento feito para distribuição do imposto se mostra defeituoso - e leva a uma repartição injusta.

E a falta de justiça que deriva da aplicação de tal critério também se evidencia, para além da comparação dos montantes dos investimentos feitos, se se puserem em confronto os rendimentos de alguns dos aproveitamentos quanto a energia efectivamente produzida ou no que respeita a capacidade potencial de produção. Em alguns casos os de menor custo produzem maior rendimento do que outros que se importaram em cifras mais elevadas.

Nesta ordem de ideias e concretizando melhor estabeleça-se, ainda, a seguinte comparação: o aproveitamento de Picote custou 700 000 contos e o de Carrapatelo 2 milhões e 200 000 contos, conforma ficou referido, porém, a potência instalada, a produtibilidade média anual e a energia produzida pelo primeiro são maiores do que as do segundo Todavia, como este, enquadrado na conjuntura da época da sua realização, custou importância que excede mais de três vezes o custo do primeiro, embora o segundo produza menos rendimento, da parte do imposto pago pela empresa e distribuído pela comissão, com base