renas de xisto, em encostas voltadas a nascente sul, constituídos por castas classicamente produtoras do vinho do Porto, e satisfazem em tudo o mais aos restantes condicionalismos definidores desta região demarcada, só por motivos desconhecidos nela não tendo sido incluídos, com menosprezo pelos interesses sociais e económicos das respectivas zonas e das suas populações.

Alonguei-me já muito mais do que desejava, não quero porém terminar sem me congratular pela oportunidade que o Governo quis dar a esta Assembleia de discutir tão momentoso problema como é o do condicionamento do plantio da vinha, formulando o voto de que, ao aprovar esta lei, tenhamos presente a imperiosa necessidade de atender ao que o projecto do IV Plano de Fomento prevê quanto à reconversão agrária, ao papel sócio-económico da vinha no contexto nacional e à defesa da qualidade dos nossos vinhos, base primordial da sua expansão nos mercados mundiais Neste sentido dou o meu voto na generalidade à proposta de lei em discussão, na convicção de que o seu exame na especialidade venha a fazê-la corresponder, pelas alterações que venham a ser-lhe introduzidas, à expectativa legitima de tantos vinicultores e aos maiores interesses da economia nacional

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Linhares de Andrade: - Sr. Presidente: O projecto de decreto-lei que haveria de converter-se na presente proposta foi elaborado para vigorar apenas na parte continental do território metropolitano, no seguimento, aliás, da orientação até agora mantida de excluir sistematicamente as ilhas adjacentes do campo de aplicação das muitas leis publicadas sobre condicionamento do plantio da vinha

O Governo entendeu, todavia, dar acolhimento à sugestão da Câmara Corporativa inserta no seu douto parecer sobre aquele projecto, para que doravante em todo o espaço metropolitano passe a vigorar sobre a mesma matéria um único regime.

Esta inovação leva-me a solicitar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a VV. Ex.ª, Srs. Deputados, um pouco da vossa esclarecida e generosa atenção para um breve comentário que me proponho fazer sobre algumas particularidades das ilhas adjacentes no contexto da vitivinicultura nacional, no intuito de demonstrar que, justamente valoradas, impõem certos ajustamentos à proposta de lei sob debate, a cujos altos propósitos, no entanto, rendo gostosamente as minhas homenagens

Limitarei o meu comentário às ilhas dos Açores, já que o ilustre colega Eleutério de Aguiar fez há dias desta tribuna oportuníssimas considerações, a que nada teria a acrescentar, sobre a aplicação dos princípios da proposta quanto ao arquipélago da Madeira, de que é aqui um dos seus ilustres representantes

Pode dizer-se que a cultura da vinha nos Açores surgiu logo com o próprio povoamento, vindo depois a atingir certo incremento e mesmo notável expressão económica em algumas das ilhas cujos solos ofereciam condições excepcionalmente aptas à cultura de determinadas castas nobres e, por conseguinte, à produção

de vinhos de qualidade superior. Foi o caso da ilha do [...], cujos vinhos, provenientes de boas castas, com predomínio do «verdelho», cultivado nas zonas baixas, junto à costa, alcançaram renome internacional. Eram vinhos dotados de incomparável perfume, muito alcoólicos por natureza, mas, ainda assim, aguardentados e envelhecidos mediante estufagem, ao tempo feita de modo empírico, simplesmente expondo os cascos ao calor solar.

A ilha chegou a produzir cerca de 25000 pipas deste vinho generoso, que exportava por bom preço para os mais exigentes mercados estrangeiros. Até ao fim da primeira metade do século XIX foi a maior riqueza da ilha.

Mas o oídio, primeiro, em 1852, e a filoxera, depois, em 1873, destruíram quase por completo os vinhedos açorianos, até aí exclusivamente constituídos por castas da Vitis [...] . A exportação cessou, e muitos dos campos onde dantes remava a vinha foram ficando abandonados ou aproveitados para outras culturas - a da figueira, a do pessegueiro, etc.

Entretanto, por volta de 1870 chegaram da América bacelos de uma nova casta denominada «Isabela» (Vitis labrusca), casta que logo se revelou muito resistente, ou mesmo imune, àquele maldito pó, branco de início, cinzento depois (o oídio), que, atacando os cachos, os definhava, tornando-os vítreos e quebradiços, como mais tarde havia de demonstrar possuir igual capacidade de resistência aos ataques de outro terrível flagelo das castas europeias, o míldio, que iniciou as suas tremendas devastações no nosso país por volta de 1886.

Além destas virtudes, revelou outra não menos invejável: a de se desentranhar em produções excepcionalmente abundantes, mesmo em solos magros e muito pobres.

A primeira impressão deixada pelos vinhos provenientes desta casta aos paladares até aí habituados a produtos de eleição não terá sido por certo muito agradável, pois só na aparência, não já no olfacto, seria, na verdade, possível compará-los a vinhos de consumo aceitáveis. Têm normalmente um baixíssimo teor alcoólico, uma composição química muito desequilibrada e um aroma a flores ou a morangos que os tornam conhecidos por «vinhos de cheiro», designação que ainda hoje mantêm

Apesar de tantos defeitos congénitos e irremediáveis, a cultura das vinhas Isabela generalizou-se rapidamente em razão das virtudes apontadas, traduzidas em culturas pouco dispendiosas e colheitas muito fartas

Com o rodar dos anos, os vinhos dela provenientes, estremes ou de mistura com outros igualmente provindos de produtores directos (seibel, jaquês, etc.), mercê do conhecido fenómeno da habituação de paladares, haviam de conquistar também a simpatia dos consumidores ilhéus, que hoje lhes concedem nítida preferência sobre vinhos de consumo aceitáveis, normalmente importados do continente para cobrir as permanentes insuficiências da produção local.

Temos, portanto, que, decorrido um século sobre a introdução dos produtores directos nos Açores, mais de 80% dos actuais vinhedos do arquipélago são por eles constituídos; que até agora nunca foi posto qualquer entrave à sua plantação e cultura;