apesar da prolongada estiagem que assola a província, diariamente muitos milhares de metros cúbicos de água entram e se perdem ingloriamente no mar.

Com todas as suas limitações, é na agricultura que ainda se vem centrando a actividade económica das ilhas e é no regadio que menos mal se manifesta o potencial agrícola do arquipélago. É nos seus vales que se concentram as terras de produção menos contingente, porventura as únicas cultivadas com êxito.

Não se ignora, por outro lado, que esse potencial não pode, por si só, dar resposta satisfatória ao aumento demográfico do território-longe disso!

Por isto mesmo, há uma necessidade imperiosa -eu diria mesmo quase vital- de não deixar perder um palmo de terra.

A necessidade de não nos podermos privar da mínima superfície de terra cultivável conduziu, desde há muito, sobretudo na ilha de Santo Antão, a um tipo de armação e preparação dos terrenos de regadio a «um fabrico de solo», que só na Madeira e no Douro enc ontra paralelo Obrigou também, ainda neste caso, à protecção das áreas confinantes com o leito das ribeiras, à custa da construção de muros longitudinais, os tais «bardos», que defendem as propriedades das cheias, que também as fustigam.

Os investimentos privados realizados nestas benfeitorias ao longo dos tempos constituíram, assim, uma forma de capitalização de parte dos limitados proventos que dessas áreas irrigadas ainda vimos extraindo.

Dá-se em Cabo Verde a estranha circunstância de o regadio não ser tão invulnerável à seca como à primeira vista se poderia julgar. Mas verifica-se, por outro lado, que quando ocorrem as torrenciais e grandes chuvadas se formam cheias que chegam, em muitas zonas, a ser mais nocivas ao regadio do que a escassez de água, pois as destruições que as «ribeiras» causam manifestam-se por longo tempo, se não mesmo indefinidamente.

De facto, as chuvas não se dispõem a cair sobre as nossas ilhas em jeito manso e regular.

Desta sorte, temos de aproveitar da melhor forma possível a água de que algumas das ilhas dispõem e, quase simultaneamente, de nos precavermos contra os efeitos degradantes das cheias, que muitas vezes se tornam tão prejudiciais ao regadio como as secas.

Calculo que neste momento aqueles de VV. Exa. que menos bem conhecem Cabo Verde hão-de achar insólito que, defrontando-se presentemente o arquipélago com tão aguda e prolongada estiagem -a maior da sua história de meio milénio-, eu vos venha falar de problemas que pareçam situar-se num pólo oposto - o do aparente excesso de água.

Mas este é mais um dos muitos contrastes que Cabo Verde pode oferecer Só que não se presta a divagações folcloristas.

Sucede, e não é raro, como se possa supor, que a chuva porque tanto ansiamos se despenha sob forma de brutais aguaceiros, que, para além de provocarem uma erosão muito activa, originam fortes cheias que destroem boa parte dos nossos melhores terrenos de regadio.

Apreciam-se então, em alguns vales, superfícies que a perda de solo e uma estéril acumulação de pedregais tornam improdutivas, e lembremos que ainda não há muito eram ocupadas por frondosos bananais e canaviais ...

De facto, o grande volume de água que as chuvas fortes e repentinas produzem escoa-se para o oceano, quase em pura perda, levando a melhor parte do terreno que as não pode absorver.

Durante este período de seca -e isso também não deixa de ser surpreendente- não deixou de se verificar a pura perda de muita água que para o mar escoou, sem benefício para ninguém.

E ao mesmo tempo, coexistindo com uma penúria de chuvas, verificam-se precipitações breves, mas copiosas, que num só dia a altura de chuva caída pode ultrapassar alguns valores anuais Ainda em 1972, já, portanto, na presente estiagem, registaram-se em vinte e quatro horas precipitações da ordem dos 80 mm a 135 mm na ilha de Santiago.

Apenas para termo de comparação abro um parêntesis, recordando que as chuvas que estiveram na origem das catastróficas cheias que ocorreram na região de Lisboa, em Novembro de 1967, foram da ordem dos 90 mm a 115 mm em igual período de tempo.

Entretanto, há que aceitar as realidades! E se não podemos alterar as condições meteorológicas que governam a zona do globo em que o arquipélago se situa, é mister que se faça tudo quanto possibilite um melhor aproveitamento da água que tão irregularmente cai sobre as ilhas O que não podemos é pensar em aumentos assegurados de áreas regadas sem aumentar os recursos hídricos. E o processo mais realista de o conseguir é reduzir ao mínimo o escoamento para o mar, e para se conseguir isto há-de haver uma solução.

E esta solução poderia actuar a outro nível, em sentido benéfico, limitando o impacte das cheias, e isso garantirá a conservação das áreas agrícolas actualmente exploradas e das que possam acrescer, uma vez garantida uma maior e mais regularizada disponibilidade de água.

Seria simplificar demasiado a questão o afirmar que tal se poderia conseguir à custa da retenção superficial da água, para ser posteriormente utilizada em épocas de estiagem Não cremos, tão-pouco, que fosse prudente estabelecer regadio permanente -caso da bananeira- a partir do armazenamento de águas superficiais.

Falece-me competência para indicar, propor, ou mesmo sugerir, quais as soluções técnicas a adoptar para o efeito Aqui, neste momento e deste lugar, quero apenas formular o pedido de que ao assunto vertente seja dada a atenção que bem merece.

Talvez que não importante também analisar se tais soluções devam ou não apoiar-se em considerações económicas apropriadas.

Há desde logo um aspecto que importa reter. É que os processos económicos, baratos, de captação, de obtenção de água para rega, esses parecem já esgotados Daqui em diante todas as soluções técnicas serão mais caras, independentemente do agravamento dos custos unitários.

O Sr Salazar Leite: -V Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr Salazar Leite: - Sr Deputado. Muito obrigado por me ter permitido esta interrupção, a que eu não me pude furtar, porque tudo o que diz respeito a Cabo Verde continua a interessar-me, não