As condições às quais deverá responder uma doação autenticamente voluntária começam pela necessidade da advertência ao dador, por forma completa, dos riscos exactos em que incorre. A sua vontade deve ser motivada por um critério de razoabilidade, sendo este o motivo por que, tantas vezes, a aceitação do dador voluntário é restrita à sua qualidade de familiar do doente. A doação deve ser livremente consentida, competindo ao médico e ao estabelecimento hospitalar a verificação de que não existem quaisquer pressões ou coacções sobre o dador. Por último, será de exigir um equilíbrio emocional correcto, para garantia de que o dador está na plena posse dos seus recursos mentais e psíquicos. A doutrina mais corrente exige um consentimento esclarecido e responsável por parte do dador, o que pressupõe informações completas a prestar pelo médico agente da intervenção. Convirá que tais informações sejam bastante precisas e pormenorizadas, com dispensa de terminologia muito técnica para facilitar a sua exacta compreensão, abrangendo a descrição não apenas dos riscos imediatos da operação como também as suas possíveis consequências futuras.

Para maior segurança do médico, será recomendável que a declaração de conformidade do dador seja feita sob forma escrita ou, pelo menos, de declaração oral perante testemunhas.

Esta exigência de consentimento esclarecido, em consequência de informação completa a prestar pelo médico operador, é comum, aliás, aos casos de intervenções cirúrgicas normais, verificando-se no nosso país tal condicionalismo. A doutrina exige, ainda, para que o consentimento do dador seja autêntico, que ele seja prestado com plena liberdade, sem constrangimento, por alguém que bem compreendeu a natureza e as consequências da decisão que tomou ou vai tomar.

Isto pressupõe, para o dador, uma decisão meditada e estável, fundada num equilíbrio psíquico normal, pelo que se deverão excluir como dadores os indivíduos psiquicamente instáveis, cuja decisão possa ter um carácter patológico ou encontrar-se anormal ou momentaneamente influenciada por um movimento emocionai incontrolado.

Daqui que para o médico, além da sua função técnica, resulte, no desempenho do seu papel humano, a responsabilidade de se assegurar da existência desta liberdade de consentimento, estudando o dador na sua totalidade física e mental. Quanto aos menores, em princípio, e dada a sua incapacidade legal, não é válido o seu consentimento para a recolha de um órgão ou tecido do próprio corpo.

Numa posição extrema e fechada, poderia admitir-se que nunca e em caso algum deverá o representante ou tutor do menor autorizar tal operação, na medida em que a sua principal e única responsabilidade é a defesa dos interesses do tutelado.

É mais realista, contudo, admitir-se uma tese que reconheça ao menor, sob certas condições, especialmente quando já atingiu uma idade próxima da maioridade legal (por exemplo, 18 anos), capacidade para consentir em intervenções relativas e direitos pessoais, como a integridade corporal, que faz parte dos direitos gerais de personalidade.

Assim sendo, haverá que tomar em consideração a idade presumível em que são comummente atingidas as faculdades de discernimento do menor e a sua capacidade de julgamento quanto ao significado e à execução da operação em causa.

Quando ao menor é conferido o direito de autorizar, poderia admitir-se ser dispensável a obtenção de consentimento do seu representante legal, aceitando--se, embora, a sua consulta A doutrina, todavia, tem-se orientado para o consentimento conjunto, não sem reconhecer que de pouco ou nada valerá o desejo do representante do incapaz se este se mantiver irredutível, em posição negativa contrária à daquele

Admite-se, assim, que, desde que o desenvolvimento intelectual do indivíduo menor seja suficiente, deverá prevalecer a sua vontade, exigindo-se a sua autorização, paralelamente à do tutor ou representante.

22. Quanto ao problema do consentimento do dador como justificativo do atentado à sua integridade corporal, defende-se na doutrina a tese de que o facto de aquele ter sido obtido não deverá conferir, só por si, impunidade absoluta para o médico operador. Pode assinalar-se como exemplo a ilicitude de operações de amputações com o fim de se furtar ao serviço militar.

De igual modo, aquele princípio segundo o qual o consentimento do dador não exime de completa, automática e definitiva responsabilidade o agente médico da operação deverá ser também aplicável e válido quanto à própria responsabilidade do dador pelo acto de recolha no seu corpo do órgão ou tecido a transplantar.

A imunidade, em ambas as situações, deverá resultar da conjugação simultânea dos seguinte s dois requisitos: Ter a intervenção interesse médico legítimo;

b) Superarem-se aos riscos em que incorre o dador as possibilidades de sucesso da transplantação.

Note-se que aquela exigência de um interesse médico legítimo não é especial ou privativa das transplantações, antes se reconhece válida para toda e qualquer intervenção cirúrgica.

Isto, porque sobre o médico impende a carga de uma missão de serviço público contra a qual, em certas circunstâncias, de nada vale a vontade do doente. Ele deve recusar o tratamento solicitado pelo doente quando o perigo da intervenção nitidamente prevalece ou se sobrepõe a um eventual e contingente benefício de ordem médica.

Se o médico negligencia ou desconhece aquela missão, poderá vir a sofrer os rigores do direito penal comum e do direito disciplinar, por outro lado, o consentimento do paciente não justificará o atentado corporal que lhe advém de um acto que, verdadeira e deontologicamente, não se pode considerar como um acto médico.

No domínio das transplantações, tudo depende da natureza do sacrifício consentido pelo dador. Daqui a obrigatoriedade de comparar os riscos incorridos pelo dador com as probabilidades de sucesso da transplantação.