Com que aprumo moral ou com que dignidade de propósitos se pode amaldiçoar e proibir a tisana dos «vinhos de cheiro», quando publicamente se estadeia e se propagandeia, sem freio nem medida, o consumo da americanizada Coca-Cola?

Assim, como corolário do exposto, parece-me que a proibição consignada na base x da presente proposta de lei se deveria restringir à cultura intensiva de videiras de produtores directos, bem como a toda e qualquer espécie de comercialização dos respectivos vinhos Ficaria assim ressalvada a possibilidade de qualquer interessado poder cultivar, preparar e consumir, em exclusivo autoconsumo, o vinho dos produtores directos.

Uma última palavra sobre o problema das taxas relativas à legalização das plantações clandestinas.

É evidente que o actual estado de coisas uma imensidão de vinhedos instalados sem licença - comporta uma certa situação de imoralidade e retraia, de forma bem clara e inexorável, a incapacidade total de determinado sector da Administração.

A imoralidade traduz-se no facto de se colocarem em pé de igualdade os que cumpriram e os que não cumpriram a lei, os que suportam com dignidade e estoicismo os rigores e as limitações que o interesse colectivo lhes aponta e os que, sub-repticiamente, se esgueiram à solidariedade da grei, considerando o seu interesse individual como regra única de conduta

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os primeiros olham as suas mãos vazias, compensados talvez pela força moral do seu comportamento Os segundos revêem-se agora na frutificação da sua fazenda, bem cientes de que o velho adágio latino continua a fazer carreira audaces fortuna jubat.

Esta a posição das partes, neste pleito singular dos vinhedos clandestinos.

Mas o certo é que, para além de tudo, a grande responsabilidade do que aconteceu e do que presentemente se nos depara cabe exclusivamente ao departamento público da Administração que superintende neste sector da actividade económica.

Se aos primeiros assomos de infracção à lei os serviços próprios da fiscalização agissem como deviam, certamente que os atropelos não continuariam naquela escalada desenfreada a que todos assistimos. E pode acontecer até que muitos dos prevaricadores o tenham sido sem plena consciência da ilicitude em que se envolveram.

A inércia total dos serviços deste sector, tanto no que respeita à fiscalização como à prospecção dos mercados e prevenção do futuro, foi de molde a dar a ideia de que a lei não era para cumprir.

Assim e sem embargo de assinalarmos a imoralidade do seu procedimento -, não vemos que os proprietários dos vinhedos sem licença sejam os mais responsáveis, ou sejam mesmo responsáveis.

Acresce até que a sua rebeldia se substituiu positivamente à Administração, prevenindo a actual escassez do vinho e possibilitando, dentro deste contexto conjecturai, o aumento do rendimento da Nação.

Tudo isto deve e tem de pesar, naturalmente, no condicionalismo das legalizações a conceder.

Mas deve ainda fazer-se uma distinção entre o pequeno produtor, que plantou uns milheiros de cepas por não lhe ser possível outra cultura, ou por escassez de meios de subsistência, ou para substituir a vinha decrépita e moribunda, e o grande empresário, que mediu a frio o risco da infracção e a contrapartida do lucro compensador, atirando-se a plantações maciças e copiosamente rentáveis. O primeiro agiu por reacções conjunturais ou de sentimento, e o seu resultado foi modesto O segundo fez contas e elaborou planos, decidindo-se consciente e deliberadamente à efectivação, matematicamente lucrativa, do seu empenhamento.

Estas duas atitudes comportam, como é óbvio, nítidas diferenças de carácter económico e social.

Assim, e julgando razoável fixar como caracterizador de proprietário do primeiro tipo um limite de plantação de 10 000 ou 15 000 pés, entendo que a taxa a pagar pelos primeiros nunca deveria ir além de 2$ por pé, enquanto a devida pelos segundos nunca deveria ser inferior a 5$ por pé.

Ao dar, com estas achegas, a minha aprovação na generalidade à proposta de lei em discussão, quero expressar aqui um desejo, que é também a minha esperança, que a nova lei venha resolver a indisciplina reinante no vasto sector da vitivinicultura nacional.

Que venha vivificar as suas actividades, apontando renovados e prósperos caminhos.

E que venha, sobretudo, para se cumprir.

De outra forma, teríamos de ouvir, por muito tempo, o clamor das turbas a gritar «O rei vai nu!»

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Magro dos Reis: - Sr Presidente Por obrigação da função que exerço, vejo-me na necessidade de intervir neste debate Uma vez mais estou tratando de problemas da nossa agricultura, o que me dá uma grande satisfação pessoal No entanto, creio que para me fazer compreender totalmente será conveniente localizar-me na função, no espaço territorial e no nascimento.

Na função como engenheiro agrónomo e técnico dos serviços agrícolas vejo-me colocado no âmbito do problema, não porque seja um assunto do meu métier diário, mas porque vivo no dia-a-dia o sentir das populações agrícolas que connosco vêm contactando e porque tenho acompanhado os anseios, entusiasmos e frustrações dos técnicos, pela ausência de uma legislação actual e real.

No espaço territorial, por trabalhar no Oeste, em toda a faixa litoral que de Lisboa se estende até quase a Coimbra, região orográfica e climática particular, com elevadas potencialidades económicas, que nunca nos cansaremos de divulgar Foi pelo Oeste, mais particularmente pelo distrito de Leiria, que entrei nesta Assembleia, pelo que contraí responsabilidades políticas regionais. Foi igualmente no Oeste, nomeadamente em Alcobaça, que me iniciei e me experimentei mais tarde como técnico.

Não será possível identificar economicamente o Oeste sem nos determos a apreciar os seus milenários vinhedos que foram incrementados, como uma maneira inteligente e valiosa a aproveitar economicamente as suas encostas Está o agricultor do Oeste, homem trabalhador, persistente e que acredita, intimamente ligado à cultura da vinha