não teria sido bem mais fácil publicar de imediato as disposições que julgara aconselháveis, sem se preocupar em solicitar à Câmara Corporativa aprofundado estudo e sem sujeitar ao voto da Representação Nacional princípios susceptíveis de serem rejeitados, orientações que poderiam ser contrariadas?

Ignoraria o Governo que uma proposta de lei de plantio da vinha daria fatalmente lugar ao exacerbar de regionalismos, ao estalar de paixões, à luta de homens, de princípios e de interesses?

Evidentemente que não!

O Governo estava certo de que tudo isso se daria.

Mas mais certo que do fragor das paixões, dos tão inevitáveis como compreensíveis regionalismos, da fatal luta entre princípios e interesses, estava certo, repito, da altura e dignidade desta Câmara e, sobretudo, da sua capacidade de, a final, definir uma linha de orientação à luz do interesse geral da Nação.

Não desmereceu esta Câmara da confiança nela depositada.

Discutiu-se na Comissão de Economia, como viria a discutir-se no plenário, com vivacidade e calor.

Trocaram-se opiniões desassombradas, que, a princípio, pareciam conduzir a posições irreconciliáveis.

Escalpelizou-se a proposta e entrechocaram-se, destruindo-se quantas vezes, inúmeros projectos de emenda.

Punham-se hoje em causa as bases em apreciação, para amanhã se duvidar mais ainda da terapêutica aconselhada na véspera para as maleitas que se propunham curar.

Mas tudo, Sr Presidente e Srs Deputados, no tão insano como louvável esforço de encontrar uma formulação realista e séria que correspondesse à importância da matéria em apreciação e debate.

Assim nos surge o relatório da Comissão de Economia, que inequivocamente afirma a oportunidade, vantagem e economia da proposta de lei.

Seria injusto, eu que acompanhei dia a dia os trabalhos da Comissão de Economia, se não deixasse aqui uma palavra bem quente de apreço pelo enorme esforço desenvolvido por todos os seus membros.

Gostosamente acentuo todos, porque fiquei sem saber se a oportunidade e vantagem da proposta mais ressaltou da concordância e defesa de uns, se das dúvidas e discordâncias iniciais de outros.

O Sr. Leal de Oliveira: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente. Referida a vantagem, direi mesmo que a necessidade, de esta proposta ter sido presente à Assembleia, permita-me V Exa. que me debruce um pouco sobre a análise dos seus princípios fundamentais e que me detenha, por momentos embora, na apreciação de condicionalismos que se impõem, para que todo o nosso trabalho, todo o nosso esforço, todas as magníficas intenções do Governo, ao formular tal proposta, não passem de intenções pias ou de retórica inútil.

Sucintamente poderia dizer que toda a proposta de lei relativa ao plantio da vinha assenta em três grandes princípios.

Princípio do condicionamento racional; Princípio da regionalização, Primado da qualidade.

Com efeito, verificamos que o princípio do condicionamento que a proposta de lei n.º 6/XI consigna não é um mero condicionamento quantitativo, mas, e sobretudo, um condicionamento qualitativo.

Quando classifico tal condicionamento como qualitativo, quero significar que ele se preocupa não apenas com a qualidade do produto que se venha a obter, mas procura assegurar, através da observância de certas regras técnicas, que esta qualidade seja não só garantida como ainda favorecida pela observância de condicionalismo, que vão desde a qualidade da terra à sua exposição, da origem dos bacelos ao tipo das castas de enxertia, dos compassos de plantação à facilidade de culturas em associação.

Verificamos assim que o condicionamento que temos em apreciação, em 51, não visa formular proibições, mas antes a racionalizar uma produção em termos de a tornar economicamente válida e competitiva.

Mas, se o que se procura é racionalizar uma produção, tornando-a, como disse, economicamente válida e competitiva, decorre deste o segundo princípio - o princípio da regionalização.

Não basta ter apenas vinho, nem sequer ter apenas vinho bom.

É necessário que haja vinhos com qualidade e tipicidade, mas também no volume suficiente que assegure o permanente abastecimento dos mercados a que se dirigem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta ideia, hoje generalizada em países com uma vitivinicultura evoluída, que alguns considerarão porventura modernista, é velha de séculos, e muito nos honra que tivesse sido o grande Ministro Pombal a lançá-la, pela primeira vez, com a demarcação da região vinícola do Douro, e que veio a ser sustentáculo, não apenas da política de um vinho, mas da economia de uma região, tio século XVIII até aos nossos dias.

Verificamos que dia a dia se torna mais acentuado o interesse pelos vinhos regionais e que de forma alguma podemos continuar a viver numa situação que, longe de avançar, recuou em relação à política gizada no princípio deste século.

Não podemos continuar a viver a situação de, quando em reuniões internacionais nos são solicitadas as marcas regionais dos nossos vinhos, a fim de lhes ser estatuída a protecção internacional de denominação de origem, apenas podermos apresentar os vinhos verdes e do Dão, além ido Porto e do Madeira, quando países co m uma tradição vinícola bem inferior à nossa apresentam dezenas.

Não podemos ainda, quando no âmbito de acordos internacionais somos obrigados a apresentar listas de denominação de origem dos nossos vinhos, vermo-nos na circunstância de ter que indicar as que constavam de uma previsão dos anos de novecentos.

Temos, assim, que dar todo o apoio ao segundo princípio que apontei e informa a «presente proposta - o princípio da regionalização.

Mas presidindo a toda a proposta encontramos o princípio da qualidade.

Na qualidade assenta não apenas o estabelecimento, ou talvez melhor, a confirmação ilegal, das regiões e zonas de produção, mas na qualidade assenta igualmente toda a política que informa a proposta.