Também dentro da nossa tradição histérica, só quebrada com o triunfo do liberalismo, que pela Constituição de 1882 impôs a assimilação jurídica e a unificação administrativa a todo o ultramar, e cujas consequências foram pouco menos que catastróficas, a descentralização tem sido norma na política ultramarina portuguesa A Assembleia Nacional, ao rever, em 1971, a Constituição Política, votou as bases que conferem às províncias ultramarinas maior autonomia político-administrativa «adequada à sua situação geográfica e às condições do respectivo meio social», a que se seguiu a aprovação da Lei Orgânica do Ultramar no ano seguinte e a conclusão do novo regime jurídico de autonomia das províncias ultramarinas, com a outorga dos estatutos próprios de cada uma no início do ano de 1973.
Permita, Sr. Presidente, que lembre o que disse neste mesmo local quando em 25 de Junho de 1971 intervim na discussão da revisão constitucional:
Acredito firmemente que uma mais ampla descentralização política e administrativa, que a proposta de lei deixa prever, não afectará a unidade nacional e terá benéfica e profunda influência no desenvolvimento económico e social dos territórios ultramarinos [...]. Mas para que o benefício da autonomia seja autêntico é necessário que dela participem todos, e não só alguns, assegurando-se às populações locais uma cada vez maior participação na vida administrativa e política dos territórios Para que essa participação seja eficaz e cada vez mais ampla e esclarecida, necessário se torna que os órgãos locais não descurem, antes pelo contrário, acelerem a promoção cultural, económica e social das populações atrasadas.
Como sabemos, estão já a funcionar em cada província assembleias legislativas próprias, nas quais os elementos nativos têm representação importante, continuando em marcha a autonomia participada em todos os escalões da administração ultramarina; autonomia o mais lata possível, mas que, conforme frisou o Sr. Presidente do Conselho, não pode ser e não é desagregadora da unidade nacional. Por outro lado, ninguém de boa fé pode negar o esforço realizado nos últimos anos no desenvolvimento das potencialidades económicas das províncias ultramarinas, e, sobretudo, na promoção sócio-cultural dos respectivos povos. Em todo o território nacional uma grande obra de fomento económico e social está em marcha, apesar dos vultosos dispêndios que a defesa do património territorial exige ao País. Na província que aqui represento (S Tomé e Príncipe), o progresso registado nos últimos anos traduz-se numa população totalmente escolarizada e de índice cultural muito acima da média geral verif icada na maior parte dos países africanos; em índices de mortalidade geral e infantil caracterizados por serem os mais baixos de toda a África; num rendimento per capita anual somente superado na África Negra pelos que se verificam no Gabão e África do Sul; numa população activa aumentando de ano para ano e cujo poder de compra lhe permite adquirir cada vez maior quantidade, de bens de consumo; e num produto interno crescendo anualmente a uma taxa bastante superior à que as estimativas mais optimistas previam e desejavam para o resto do continente africano
Sr. Presidente: A política ultramarina do Governo, consentânea com a tradição histórica do País e a consciência colectiva da Nação, traduziu-se; nos últimos anos, no fortalecimento da unidade nacional, a par de uma autonomia progressiva dos territórios ultramarinos prevista constitucionalmente; numa participação cada vez mais consciente e em maior número das populações locais nas estruturas político-administrativas e vida social das províncias; na consolidação de sociedades multirraciais, com ausência total de qualquer discriminação de cor, raça ou religião, e valorização sócio-económica das populações mais atrasadas, e no desenvolvimento económico de todo o território nacional, que, apesar da guerra que sustentamos em Angola, Guiné e Moçambique, se pode considerar notável. Sei que interpreto o sentir do povo que me elegeu ao aprovar a política ultramarina do Governo de Marcelo Caetano, por esta ser a que melhor defende os interesses do País e das populações que nos diversos territórios se acolhem sob a bandeira de Portugal e constituem a Nação Portuguesa. Nestas circunstâncias, foi com muito gosto e muita honra que assinei a moção apresentada à consideração de VV. Exas. pela Comissão do Ultramar.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Camilo de Freitas: - Sr. Presidente, Srs Deputados: Vivemos anteontem um dia de emoções fortes.
O nosso Presidente do Conselho de Ministros, numa peça oratória impecável, com palavras repassadas de ponderação, de seriedade, de maturidade, recapitulou as linhas de pensamento que o têm norteado, honestamente referenciou os parâmetros a que disciplinadamente se submete para conduzir a barca do ultramar na fidelidade, procurada, ao devir da vontade da Nação.
Convidou-nos a uma nova reflexão da temática mais grave e mais importante que presentemente se pôs à Nação Portuguesa.
A ilustre Comissão do Ultramar, sensibilizada peto actual momento político, tinha preparada uma moção que ia propor ao Plenário em busca de aprovação maciça que desse ao Governo tranquilidade quanto às opções que vem praticando, afastasse as dúvidas que pudessem ter surgido e afectassem a solidez da determinação governamental.
Ainda que deplore que não fosse redigida após o discurso, permitindo assim incluir na sua tessitura uma expressividade mais completa daquilo que o Sr. Presidente do Conselho pediu a esta Câmara, não posso deixar de a votar, na medida em que perfilho sem reticências nas linhas mestras das suas proposições e constitui o voto de confiança que a Comissão procurava e o Governo merece.
Pesa-me, entretanto, que se corra o risco de que a moção seja interpretada como a resposta da Assembleia à histórica comunicação do Sr. Presidente do Conselho.
Enquanto S. Exa. nos pede um debate, uma procura permanente, atentos ao rodar dos tempos, uma nova, por seguro, intensa reflexão não será certamente esta moção com o seu carácter de completa acomodação ao contexto actual que lhe estaríamos correspondendo como merece.