a grande afeição que voltava às gentes laboriosas da Beira.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Era um beirão autêntico, em quem o trajo moderno e impecável ou as maneiras delicadas do homem da cidade não conseguiam esconder a rijeza granítica do carácter nem a força inquebrantável da vontade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Diplomado pela Universidade e possuidor de sólida cultura, haveria de dedicar-se, concluído o seu curso, à indústria, na linha de uma vincada tradição familiar, e, por isso, muitos estranharam vê-lo aceitar, há oito anos, o convite para candidato a Deputado.
Para mim o facto constituiu também surpresa, conhecendo eu, como conhecia, a sua actividade toda votada aos trabalhos da grande organização industrial a que pertencia.
Por isso poucos admitiriam, ha altura, que o Dr. Rui Pontífice Sousa pudesse vir a entregar-se em larga medida à sua nova missão e vivê-la intensamente. Mas a verdade é que ele, embora sacrificando legítimos interesses de ordem profissional e familiar, deixou aqui indelevelmente marcada uma posição em tudo à altura das responsabilidades que aos Deputados da Nação incumbem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sempre apreciei o cuidado e o zelo que punha no. estudo e debate dos problemas, quer no plenário, quer nas comissões. Pude conhecer o empenho com que acompanhava a vida política do País e a do seu distrito.
E não esquecerei, como traço dominante da sua individualidade política e moral, a coragem com que assumia atitudes nítidas e firmes sempre que estavam em causa interesses fundamentais do País ou da sua região.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Numa época em que muitos se deixam enlear em manobras suspeitas ou em que se apressam a fazer suas, por sistema e cálculo, as opiniões dos mais poderosos, o Dr. Rui Pontífice nunca deixou de afirmar à sua clara e inabalável intransigência em aspectos essenciais do ponto de vista nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Neste domínio ultrapassava, com galhardia, o próprio cumprimento do dever, sem olhar a conveniências ou riscos pessoais, ele que viera para a vida pública sem ambições e sem desejo de fazer carreira política.
Vi-o bater-se por causas justas com uma determinação e, um desprendimento impressionantes, enfrentando, impassível e intimorato, incompreensões e perigos de diversa ordem.
Recordo, por serem as que mais me sensibilizaram pelo seu significado, as intervenções com que, na penúltima legislatura, formulou severíssimas críticas à Administração, a propósito de um problema de efectivo interesse para a vida económica do País, as quais deram bem a medida da sua independência e da sua fortaleza de ânimo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estes seus admiráveis predicados, tão encobertos pela natural delicadeza de maneiras e pela habitual brandura de palavras, ainda há poucos meses os testemunhou eloquentemente, durante o debate sobre o Regimento da Assembleia, ao conseguir, de modo surpreendente, evitar a aprovação de uma norma que, a sê-lo, teria afectado importante prerrogativa deste orgão de soberania.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por tudo isto, quando no começo do Verão me disse que não aceitaria novo convite para se candidatar a Deputado, alegando ponderosas razões de carácter pessoal e familiar, tudo fiz para o demover de um propósito que, a efectivar-se, privaria esta Câmara de um qualificado parlamentar e Castelo Branco de um dos seus mais valiosos representantes de sempre.
A esse encontro outros se seguiram, porque deveres de cargo -como se os impulsos do coração não bastassem! - me levaram a recorrer à intercessão prestimosa, leal e afectuosa cio Dr. Rui Pontífice Sousa, que, uma vez mais, não deixou de dar o mais decidido e valioso concurso à resolução de problemas de particular interesse social para os centros fabris da Covilhã e de Tortosendo.
E foi ao dispor-me para de novo voltar à Covilhã, a fim de com ele assegurar o prosseguimento mais rápido de obras sociais em curso, que recebi a trágica notícia da sua morte!
Mãos carinhosas levaram o seu corpo trucidado para a terra onde nascera quarenta e quatro anos antes.
Lá estive também, entre os milhares de conterrâneos e amigos que não quiseram deixar de marcar presença de reconhecimento, de admiração, de saudade.
O sol outonal escorria dourado pelo dorso ciclópico da montanha e inundava de luz a planura policrómica da Cova da Beira - e refulgia ainda maravilhosamente nas lágrimas de sofrimento de muitos... vindos de perto e de longe em romagem de piedade e amor.
A morte prostrara um corpo jovem, mas não vencera a fé ou o espírito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já Bossuet dissera que «a hora da morte é a hora de Deus». Na verdade, lá estava Deus - sim, ia estava Deus -, na serra, no vale e no céu, e na dor e nas preces e na esperança!
Lá estava Ele ... infinitamente amoroso, compassivo, inefável para connosco... e para com a alma daquele que boje, por imperativo de consciência e pendor de coração, aqui evoco sentidamente.
Não há dúvida: razão tinha o cónego Correia Pinto quando, em célebre oração fúnebre, lembrava que Deus, «na morte dos bons, comove-se profundamente,