O Sr. Gardette Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Gardette Correia: - Eu, como guineense e chefe da Missão de Combate às TripanossomÍases da Guiné, não poderia de forma alguma ficar insensível ao seu discurso e sobretudo às grandes referências que vem fazendo acerca da erradicação da doença do sono na ilha do Príncipe.

No que diz respeito a esta afecção, gostaria de esclarecer a Câmara de que não conheço em toda a África uma campanha semelhante à que Portugal vem fazendo em todo o território ultramarino.

Vozes: - Muito bem!

O Sr Gardette Correia: - Na realidade, e eu posso dar números, na Guiné, em 1945 foram apanhados dois mil quinhentos e tal doentes e em 1973 apenas encontrámos quinze doentes, dos quais cinco da República da Guiné, do Senegal e da Zâmbia.

Isto quer dizer que apenas temos dez doentes, os quais não foram tratados ou não se submeteram ao tratamento que nós temos vindo a fazer. Essa é a grande vitória de Portugal no ultramar, precisamente no campo da doença do sono, que conseguiu dominar na ilha do Príncipe e em S. Tomé. Contudo, na Guiné é impossível falarmos na erradicação, temos de falar antes num controle, e podemos dizer que a doença hoje está absolutamente controlada, absolutamente dominada.

Quanto aos cientistas que realmente contribuíram para a erradicação desta doença, V. Ex.ª falou no nome de Fraga de Azevedo, mas não nos podemos esquecer dos nomes do Sr. Prof. Cruz Ferreira, do Sr. Prof. Salazar Leite, Profs. Ians e Cambournac, que realmente muita contribuição deram para a erradicação e controle desta doença em África.

O interruptor não reviu.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muito obrigado, Sr Deputado. Eu associo-me à homenagem que está a prestar aos cientistas que enumerou. Eles estavam realmente no meu pensamento, mas a índole do trabalho não permitia que a eles me referisse.

A Missão limitou os seus trabalhos ao estudo da biologia das glossinas e sua erradicação do território, já que o exame clínico e laboratorial de toda a população levara à conclusão da não existência de tripanossomíase humana. No entanto, a permanência na ilha do vector biológico da doença do sono constituía indubitavelmente uma séria ameaça que tinha de ser eliminada. Não cabe aqui descrever os trabalhos que conduziram pela segunda vez à erradicação das glossinas no território, mas sim lembrar que o êxito da missão se ficou devendo ao eminente professor do Instituto de Medicina Tropical Fraga de Azevedo, que chefiou, e ao Dr. Manuel da Costa Mourão, seu mais directo colaborador, nomes que, com o do Dr. Bruto da Costa, são credores da gratidão do povo, que nesta Câmara represento, e da admiração de todos nós.

Vozes: - Muito bem!

O Sr Presidente: - Srs. Deputados- Vamos passar à

Discussão na generalidade da proposta de lei acerca da criação de tribunais cíveis e criminais nas Relações.

Tem a palavra o Sr Deputado Duarte de Oliveira.

O Sr Duarte de Oliveira: - Sr Presidente: Para lá da aceitação do primado dos valores morais, serão a perfeição, a comodidade e a rapidez da justiça que realizarão a efectiva igualdade jurídica de todos os homens.

Só a idoneidade e a boa preparação técnica dos magistrados darão garantia a essas exigências de um direito correctamente aplicado.

Num mundo em permanente evolução, a ordem jurídica é também vítima da aceleração da história.

E, assim, a vida individual e colectiva exige, em todo o domínio social, novos processos, novas fórmulas, que dêem satisfação às novas concepções, às novas aspirações, aos novos valores, nascidos com o tempo novo.

É neste contexto que surge a proposta de lei nº 2/XI, que cria secções cíveis e criminais nas Relações.

Ela visa uma actualização prudente e realista do Estatuto Judiciário, que se enquadra no espírito atento e prático que presidiu às últimas reformas judiciárias.

Apoio, pois, sem reservas, na g eneralidade, a proposta em discussão.

E nem os inconvenientes apontados à existência de jurisdições especializadas são de molde a alterar o meu ponto de vista.

Na verdade, caminha-se hoje para a especialização em todos os ramos do saber, nomeadamente no campo da advocacia, como consequência da infinidade de novos conhecimentos adquiridos e da limitação humana para os abarcar a todos.

A especialização no caso concreto, além de permitir que o julgador se familiarize com o ramo de direito escolhido, permitir-lhe-á conhecer melhor as ciências afins do direito criminal, de acordo com a sua formação profissional e com as suas predilecções intelectuais sociologia, criminologia, psicologia, ligados à criminalística.

Aliás, a separação entre jurisdição cível e jurisdição criminal é tradicional na organização judiciária portuguesa.

A proposta de lei em apreço permite a especialização dos juizes de 2.ª instância de uma forma moderada, sem se cair em exageros, s empre desaconselháveis.

Pois, além do mais, é uma solução flexível, não exclusivista, que consagra o princípio da separação de jurisdições que as necessidades de serviço aconselhem.

Não é, assim, um regime único, um sistema monista, que se pretende instituir. Ele só se praticará quando a necessidade o impuser.

É um sistema que já acontece na 1.ª instância, nas comarcas de Lisboa e Porto e no Supremo Tribunal de Justiça, onde exigências práticas se sobrepuseram aos possíveis inconvenientes da política de separação das jurisdições.

E nem a unidade da ordem jurídica é afectada pela aceitação de tal princípio, salvaguardada pelo carácter