durante um ano, é desconhecer as realidades da época e não dar a mínima atenção à escassez de licenciados disponíveis.

Acontece até que um pouco mais de reflexão nos pode levar a concluir não ter havido qualquer alargamento no campo da nomeação dos delegados.

Com efeito, todo o licenciado que tenha a classificação universitária de 14 valores goza da faculdade de se inscrever no curso complementar de Ciências Jurídicas. Obtido este curso, que tem a duração de um ano, o candidato fica logo com a possibilidade imediata de ingresso, sem concurso, na respectiva carreira. Consequentemente, nada de novo.

Mas as necessidades dos quadros de delegados do procurador da República são enormes. Há comarcas da província que estão aos meses sem agente do Ministério Público.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Moreira Pires: - Muito bem!

O Orador: - Como se os interesses essenciais daquelas terras e a tranquilidade daquelas pobres gentes tivesse de dar sempre lugar e de sacrificar-se em holocausto à comodidade e à boa harmonia dos grandes meios citadinos!

Seja como for, as comarcas do interior nordestino estão desertas e os serviços de justiça parcialmente paralisados. Esta conjuntura agrava sensivelmente aquele «complexo de isolamento» que a falta de indústrias, a fatalidade da emigração e a precariedade de comunicações vão incutindo no seu povo. São mais actividades (actividades de serviço) que paralisam, é mais gente que parte, delindo e enfraquecendo o fio já débil da convivência e da solidariedade existentes, e é, sobretudo, o sentimento de insegurança que se instala em face de um sistema de erecção dos órgãos da justiça, incapaz e claudicante.

O Sr Rodrigues de Carvalho: - Muito bem!

O Orador: - Perante este quadro, sobejamente conhecido, as entidades e os burocratas responsáveis pela organização judiciária limitam-se a encolher os ombros, sem grande ralação, esperando budicamente que as coisas se resolvam por si.

Sabemos que o Governo está preocupado e atento, e para ele daqui esperançadamente apelamos. Mas sabemos também que os órgãos específicos da organização judiciária, por onde se curriculam e se decidem estes problemas, se encontram ainda atados a velhos processos de lentidão, desconhecendo as dificuldades do tempo ou denotando pouca imaginação para as resolver.

A questão não é apenas de actualização e de melhoria acentuada de vencimentos (que, de resto, inteiramente se justifica e ansiosamente se espera, como mera atenuação à subida galopante do custo de vida). A questão é também de reforma de estruturas e de reforma do processo de recrutamento de unidades.

Assim, não se compreende a obrigatoriedade do exame de habilitação para delegado do procurador da República, quando toda a gente sabe que há poucos licenciados disponíveis, que não interessa qualquer critério de escolha por não haver escolha a fazer, que um exame de concurso é sempre repulsivo e particularmente incómodo em termos de deslocação e de dispêndio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Enquanto se mantiver esta situação de carência de licenciados, acabem-se com os exames de habilitação. Admitam-se imediatamente como interinos, em face das necessidades, por períodos prorrogáveis de seis meses ou de um ano, todos os licenciados em Direito que reunam condições para o exercício da função pública. Volvidos que sejam dois anos nestas condições, com bom aproveitamento, nomeiem-se delegados do procurador da República efectivos.

Desta feita se preencherão rapidamente as vagas existentes e se responderá às exigências do serviço militar impostas pela nossa legítima defesa nacional em África.

Mas com esta sugestão muitas outras se poderão imaginar e efectivar. O que se torna necessário é focalizar o problema, dinamizá-lo e procurar-lhe determinadamente uma solução real.

Não se compreende também por que não há-de ser constituída uma magistratura do Ministério Público a sério, em que se acabasse de uma vez com a dança dos juizes em comissão de serviço, que passam hoje da judicatura para o Ministério Público, para amanhã voltarem ao exercício da função judicial e, mais tarde, refluírem episodicamente àqueloutra do Ministério Público, num vaivém de posições cujos inconvenientes facilmente se topam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com atinência específica ao caso da Polícia Judiciária, temos de convir em que, segundo a estrutura e o critério de recrutamento actualmente, vigentes, não existem inspectores da Polícia Judiciária (salvo um ou outro caso excepcional) com espírito de ajustamento profissional, apetência e determinação no estudo de téncicas próprias da função e vontade de permanecer. Todos eles, conforme julgamos saber, passam pela experiência de inspectores episodicamente, sempre com o fito na judicatura, onde invariavelmente acabam por confluir. Anima-os, ao fim e ao cabo, aquele espírito de «torna-viagem», no dito pitoresco de Camilo Castelo Branco, que, longe de os prender e afeiçoar à actividade específica da investigação judiciária, os impele para a carreira judicial com que sempre sonharam.